sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Memórias das mensagens de Natal, dos militares na guerra colonial

Memórias das mensagens de Natal, dos militares na guerra colonial 

A guerra colonial portuguesa, entre 1961 e 1974, deixou marcas profundas na sociedade dos países envolvidos, porque, a maioria dos militares eram rapazes na flor da idade, aos quais, foi roubada a mocidade, sendo obrigados a participar numa guerra que não lhe dizia nada, com sacrifício da própria vida.

Quando partiam para uma das três frentes da guerra, deixavam a sua Aldeia, Vila ou Cidade, a família, emprego, namorada, ou seja, tudo o que tinham construído até àquela idade ficava desmoronado e em alguns casos para sempre, e partiam na incerteza de quando e como voltavam, se com vida, mutilados ou afetados psicologicamente para o resto dos seus dias, como aconteceu com alguns. 

Muitos militares, nunca tinham saído das suas pequenas localidades, a não ser, em visita a outras mais próximas, mas tentavam ser fortes perante os companheiros de guerra e não dar parte de fracos, mas além de todas as agruras existia a saudade de todos e de tudo que tinha deixado aqui, como também, os que cá ficavam sentiam por eles, que ainda sentiam mais a sua falta pelo Natal, por isso, o governo de então, encontrou uma forma de aliviar as saudades que, não era remédio, mas todos desejavam participar nesse evento, o qual consistia em mostrar os militares na Rádio Televisão Portuguesa (RTP) a enviar uma mensagem de Natal aos seus familiares, namoradas, amigos e população da sua terra. 

Como eram muitos milhares de militares dos três ramos das forças armadas a gravar a sua mensagem, o processo da gravação iniciava-se muito tempo antes do Natal, porque os profissionais da RTP, na maioria dos casos, tinham de se deslocar ao interior, ao chamado "Mato" e, havia muito tempo para enviar um aerograma ou carta às famílias a participar o dia da sua transmissão, que a RTP começava a exibir, talvez uns quinze dias antes do dia de Natal, num horário programado.

Como referimos noutras publicações, até ao ano de 1971, não existia eletricidade na Freguesia de Capelins, pelo que, os poucos televisores existentes, estavam associados às tabernas e funcionavam com a corrente elétrica gerada por um motor a diesel, não havendo televisores nas casas dos moradores, pelo que, nas noites que, estava marcada a transmissão da mensagem de um militar desta Freguesia na televisão, o recinto onde estava instalado o televisor esgotava, embora as mensagens dos militares tivessem a duração de, cerca de 30 segundos, os espetadores, estavam com os olhos fixados no televisor o tempo todo, porque muitas vezes, apareciam militares conhecidos de outras localidades do Concelho do Alandroal. 

As mensagens dos militares eram muito semelhantes, podiam ter, uma ou outra palavra diferente, mas dentro do mesmo contexto, sendo mais ou menos assim: 

- Para Alandroal; 

- Ferreira de Capelins;

- posto e nome; 

- Para os meus pais, ou esposa, ou namorada e família, desejo Feliz Natal e Próspero Ano Novo; 

- Adeus até ao meu regresso.

Pouco mais se ouvia além destas palavras, porque a RTP cortava o que não convinha ao governo, e em grande velocidade iam desfilando centenas e centenas de militares, por vezes, havia pessoas que nem tinham tempo para reconhecer o seu filho ou neto e nem pela voz, porque na televisão ouvia-se diferente, e como nesse tempo não existia replay nem gravadores de video, estava consumado, valiam-lhe os comentários dos mais atentos que lhe repetiam palavra a palavra, e os familiares ficavam mais confortados. 

As mensagens de Natal dos militares de Capelins, eram tema de conversa por uns tempos, nas tabernas, nos trabalhos e, em qualquer ajuntamento, comentavam como os tinham achado, mais magros ,ou mais gordos, mais velhos, ou mais novos, mais isto, menos aquilo e, principalmente o que eles tinham dito na mensagem. 

No ano seguinte, por altura do Natal, repetia-se este cenário, com algumas alterações dos dois lados, do lado de lá e do lado de cá, alguns militares já tinham regressado e até podiam estar ali presentes, estavam lá outros no seu lugar, e do lado de cá, alguns já tinham ido prestar contas a Deus e, também já ali não estavam, mas a guerra continuou lá até 1974.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira - Capelins 




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