sexta-feira, 30 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ligou o rádio a pilhas, à corrente elétrica

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ligou o rádio a pilhas, à corrente elétrica 

Na década de 1960, uma Rádio de Elvas emitia um programa de discos pedidos pelas pessoas de toda a região, incluindo da Freguesia de Capelins, que era transmitido à tardinha ou cair da noite, os ouvintes enviavam um postal dos CTT que custava cinquenta centavos o mesmo que cinco tostões, e escreviam nele a música que queriam ouvir e, se fosse o caso, a quem a queriam dedicar. 

Este programa tinha tanto sucesso que, na hora da sua transmissão parava tudo, para ficarem com os ouvido bem à escuta, não fosse anunciada a sua localidade e a pessoa nomeada, o que era um grande orgulho ouvir isso na telefonia. 

Chegada a hora, quem não tinha aparelho de rádio corria para as casas dos vizinhos, porque, ninguém se sentia incomodado por essa invasão do seu espaço e as pessoas tinham gosto em partilhar o pouco que tinham, neste caso, a sua telefonia. 

O Chiquinho de Capelins, não tinha aparelho de rádio e, àquela hora, com parte da família, também se aproximavam do rádio dos vizinhos mais próximos, para assistirem a tão grandioso programa, mas o pai não achava muita graça a isso, porque, quando chegava do trabalho tinha de esperar que eles voltassem a casa para cear (jantar), até que, um dia, sem dizer nada, foi a Capelins de Baixo encomendar um aparelho de rádio, mas como naquele dia o vendedor tinha ido a Vila Viçosa à Alvicuba e tinha trazido um rádio para um cliente que não estava em casa, ele para não perder a venda, disse-lhe que levasse aquele e depois ele no dia seguinte trazia outro, e assim foi. 

Quando o pai do Chiquinho entrou em casa com o rádio na mão a transmitir uma música da Tonicha, ele não queria acreditar e perguntou várias vezes ao pai se o rádio era mesmo deles, o pai disse que sim, mas acrescentou que era só para ouvir os noticiários e os discos pedidos da rádio de Elvas e mais nada, porque ele comia pilhas que nem um bruto e às tantas não se ganhava só para pilhas! 

O entusiasmo do Chiquinho caiu a pique, porque ele imaginava o rádio a tocar todo o dia, a dar alegria em casa, mas o sermão estava dado,  os gaiatos ficavam proibidos de lhe mexer, porque não percebiam como funcionava e podiam partir algum botão e acabar com ele, e não podia ser contestado, não fosse o rádio voltar pelo mesmo caminho de onde tinha vindo e, até os discos pedidos podiam ser perdidos, e o Chiquinho não queria isso, não era pelas músicas que eram sempre as mesmas, mas ouvir o radialista a dizer Ferreira de Capelins, parecia magia.

A mãe do Chiquinho foi logo tirar as medidas ao rádio para lhe fazer uma saia bonita, porque o rádio não podia apanhar pó e as moscas não podiam pousar nele e muito menos usá-lo como casa de banho, era o que faltava! Por isso, até a saia estar pronta ficou tapadinho com um lindo pano bordado à mão, mas a saia depressa ficou pronta, porque na Aldeia não havia aparelhos de rádio sem saia, juntavam o agradável ao útil. 

O pai do Chiquinho, levantava-se cedo e, logo de madrugada começava a ouvir a meteorologia e o programa vida rural e, à noite ao canto da chaminé do lume, dava voltas e mais voltas aos botões do aparelho a tentar apanhar a rádio Argel, ou seja, rádio voz da liberdade, que transmitia em português a partir das instalações daquela rádio na Argélia, as notícias políticas sobre Portugal e o aparelho levava horas e horas a soprar sem se ouvir nada, porque a transmissão não era diária, e o Chiquinho irritado a pensar que aquilo não fazia mal gastar as pilhas, mas fazia mal gastar as pilhas a ouvir coisas bonitas e à medida que o tempo passava, o rádio durante o dia mais funcionava, os gaiatos já mexiam e remexiam, e quando precisava de pilhas e o pai do Chiquinho refilava que já eram precisas novas pilhas, a mãe dizia sempre o mesmo: - Então, não há-de precisar de pilhas se tu levas aí noites inteiras, com o rádio a soprar sem ouvires nada, esses sopros é que gastam as pilhas, como é que não queres gastar as pilhas? Ele compreendia e a conversa acabava por ali! E vá mais pilhas! 

O rádio era a alegria da casa e, o Chiquinho reduziu as suas incursões pela Aldeia de Ferreira, ficando sentado numa cadeira em casa, junto do rádio a ouvir o romance, os Parodiantes de Lisboa e outros bons programas que não permitiam desligar o rádio a tarde toda, porque, depois eram os discos pedidos e, a seguir as notícias que, só interessavam ao pai, mas nessa hora, já o rádio estava cansado. 

O gasto de pilhas aumentava no dia a dia e o Chiquinho começou a dar voltas à cabeça para encontrar uma maneira de fazer durar as pilhas por mais tempo, quando ficavam ao sol melhoravam, mas era sol de pouco dura, ele achava que tinha de haver uma engenharia qualquer para fazer funcionar o rádio sem precisar de pilhas mas, não encontrava nada, até que um dia, um tio esteve lá em casa, andou a avaliar o rádio e por fim disse: - Não é mau, até tem aqui lugar para se ligar à corrente elétrica! Pronto, estava o caso resolvido, pensou o Chiquinho, se tem lugar para se ligar à corrente elétrica acabaram-se as pilhas e o mal estar em casa por causa delas, agora, era só estudar a maneira de fazer essa ligação! 

O Chiquinho andou perguntando porta a porta pela Aldeia, como é que os rádios se ligavam à corrente elétrica e toda a gente que sabia, respondia que era com fios como os que ligavam o dínamo das bicicletas às lâmpadas, mas nos rádios os fios ligavam a tomada elétrica ao sítio de ligação no rádio e, assim já não gastava pilhas! Ora, era mesmo isso que o Chiquinho queria e entusiasmado foi à procura de um fio da luz das bicicletas e, assim que o encontrou foi a correr para casa e quando se apanhou sozinho, sem imaginar o perigo que corria,  decidiu ensaiar a ligação do rádio à eletricidade, para depois, se desse certo, fazer uma surpresa à família.

Como o rádio estava em cima de uma mesa, no seu lugar de exposição, os fios eletricos que o Chiquinho arranjou, não tinham comprimento suficiente para chegar da tomada elétrica ao rádio,  logo isso exigiu mais um estudo, concluindo que, o melhor era arrastar a mesa para perto da tomada e, assim resolvia mais esse problema.

O Chiquinho sabia que essa ligação envolvia dois fios, por isso, a tomada lá tinha o seu lugar, os dois buraquinhos, mas o rádio só tinha um, mais um problema para resolver, depois de dar voltas à cabeça, pensou que, se o rádio só tinha um buraquinho era porque os fios entravam nele juntos, não havia outra maneira e depois de tudo preparado, com a porta de casa aberta, o Chiquinho tentou, primeiro enfiar os fios na tomada e foi o que fez, mas levou um coice de um cavalo invisível que o atirou porta fora sem saber o que lhe tinha acontecido e, só deu por si a correr e a soprar como um gato assanhado, decerto com os cabelos eriçados e só segurou os cavalos ao fundo do largo de Capelins de Cima, sem perceber quem, ou o que lhe tinha feito aquele mal. 

Àquela hora, por sorte, não passava ninguém pelo largo de Capelins de Cima, senão, apanhava grande susto ao vê-lo a correr naquele tenebroso estado, depois  andou por ali a orientar-se, até que melhorou um pouco do choque eletrico que tinha apanhado e, foi-se aproximando de casa com medo de entrar, desconfiado que alguém lhe tinha provocado aquilo, mas sabia que tinha de organizar as coisas como estavam, senão ainda apanhava outro choque elétrico do pai, e lá entrou com muito cuidado a olhar para a tomada e viu o fio no chão, sinal que não havia perigo e, arrumou a mesa, ligou o rádio que nada tinha sofrido, apanhou o fio elétrico e jurou a pés juntos que nunca mais ligava o rádio à corrente elétrica, foi uma lição para a vida. 

A partir daquele dia, o Chiquinho não se importou mais que o rádio gastasse pilhas, porque as culpas caiam no pai que levava horas com ele a soprar à procura da rádio Argel, que só transmitia três noites por semana e ele não se apercebia e achava que era a PIDE que mudava a estação.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




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