sábado, 24 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi barrado na vereda da talisca

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi barrado na vereda da talisca 

Na manhã de um dia do mês de Abril do decénio de 1960, o Chiquinho de Capelins, estava sozinho em casa e adormeceu, atrasando as tarefas que tinha a seu cargo, mas como tinha as brincadeiras combinadas em Capelins de Baixo, fez tudo à pressa e partiu a correr, já atrasado. 

O caminho mais curto, logo mais rápido era uma vereda que junto a Capelins de Cima era ladeada por paredes que, a partir do meio, apenas permitia a passagem de uma pessoa, esta talisca,  também servia de casa de banho pública, e só era limpa quando chovia em abundância, mas quem tinha pressa não a dispensava e era um vai vem de gente, a quase toda a hora, para baixo e para cima.

O Chiquinho entrou na dita talisca em grande corrida, mas ao percorrer uns metros levantou os olhos e viu que vinha alguém a subir muito lentamente e ocupava o espaço todo, não dava hipótese de passagem, parou-se a avaliar a situação, a pensar a maneira de resolver o problema, mas quando viu que era o ti António Bento que lá vinha, ficou desolado, porque, assim, ainda era pior do que antes imaginou, ele, decerto, não o deixava passar de maneira nenhuma, e para esperar até ele chegar lá acima, era uma eternidade e, assim perdia as brincadeiras que tanto gostava.

O Chiquinho, continuou a pensar na maneira de passar pelo ti António que, quando se metia na talisca era toda dele, era gordo, com a jaqueta que usava sobre os ombros e o caxeiro para se equilibrar, não dava passagem a ninguém, levava mais de dez minutos a fazer aquele percurso, mas quem é que podia perder esse tempo de brincadeiras, ali a olhar para o ti António a mudar o de trás para a frente com todo o vagar do mundo!

O Chiquinho pensou em descer a talisca e com modos simpáticos pedir-lhe para se encostar para um dos lados, porque tinha de ir dar um recado do pai à Forja e franzino como era, passava bem, mesmo assim, não devia ter sorte, porque o ti António era muito teimoso, pensou passar de gatas entre as pernas dele, mas, decerto ele não deixava, podia dar um salto por cima dele, mas não conseguia, porque ele era muito alto, só havia uma maneira de resolver isso, era subir a parede da ti Rosa, a do lado esquerdo que, era mais baixa e, embora tivesse feixas de lenha de oliveira deitadas por cima para impedir que a rapaziada lá pusesse os pés, de alguma maneira se havia de arranjar, assim, podia subir a parede e depois esperava que ele passasse, a seguir descia e ia à sua vida, havia a outra parede do lado direito, mas era muito alta e não tinha lugar de apoios para subir e descer e também tinha feixas de lenha, por isso, decidiu avançar com cuidado, porque a ti Rosa não queria a rapaziada em cima da parede e se aparecesse, acabava com a única hipótese que ele tinha de passar pelo ti António.

O ti António assim que viu o Chiquinho, alterou a passada, começou a mudar o cacheiro pouco mais de um palmo para a frente e depois com toda a calma, mudava um pé e daí a pouco mudava o outro, o Chiquinho chegou junto dele e ainda tentou passar, pedindo com bons modos, se podia dar um jeito porque ia dar um recado do pai à Forja, mas não serviu de nada, ainda alargou mais os braços e as pernas para não lhe dar nenhum espaço para passar, mas ele como já tinha planeado deu um salto e ficou em cima da parede, deixando o ti António muito frustrado, por ter sido enganado e o Chiquinho começou a rir, triunfalmente, mas como diz o ditado: - O último a rir é o que ri melhor", e como era dia de azar para ele, naquele momento, levantou-se a ti Rosa, mesmo ao lado dele, do lado de dentro da tapada, que andava a colher favas e deixou-o tão atarantado, mesmo sem lhe dizer nada, que ele em vez de ir para a frente por cima da parede e ultrapassar o ti António, deu um salto para trás e ficou no mesmo sítio em frente do ti António que, começou ele a rir na cara do Chiquinho.

O Chiquinho ficou muito envergonhado e voltou pela talisca acima sem olhar para trás, quando chegou lá acima, é que olhou para ver se o ti António estava a chegar atrás dele e ficou revoltado ao vê-lo no mesmo sítio, em grande conversa com a ti Rosa.

Estava visto que, nem daí a meia hora o ti António desocupava a talisca, a sorte seria se viesse alguém, nesse caso, ele deixaria passar essa pessoa, porque a birra era com o Chiquinho, mas tinha de ir a descer, ele ia colado e quanto o ti António dava por isso, já ele estaria no lado de baixo, mas o azar era tanto que nem uma pessoa aparecia, ainda esteve a magicar noutra hipótese, mas decidiu que o melhor era seguir por um dos outros dois caminhos, ou pelo Monte da Cruz, ou pelo Monte Grande e escolheu este, porque por aqui podia aparecer algum automóvel para ele o ver passar e já não perdia tudo. 

Desceu a Rua principal de Capelins de Cima, mas quando ia chegando ao portão do Monte Grande lembrou-se do cão rabilongo, do qual, tinha muito medo e ainda arrepiou  caminho, mas já estava tão perto e sem o avistar arriscou a passar encostado à parede da casa em frente ao portão e quando chegou a meio partiu a correr para o lado da estrada e o malandro do cão ainda deu uma arrancada a rosnar atrás dele, mas já ele estava salvo e continuou pela estrada principal até ao poço do chorão, aí desceu a barreira e entrou em Capelins de Baixo por esse caminho, sempre a correr, foi até ao Monte da Figueira, onde já, impacientemente os outros rapazes o esperavam e antes de levar uma desanda por ter chegado tão tarde, apressou-se a contar a peripécia que lhe tinha acontecido com o ti António e todos disseram que o ti António, agora, andava com a mania que a talisca era só dele, andava a precisar de uma partida, mas a conversa ficou por ali e as brincadeiras continuaram até cansar.

No dia seguinte, quando o Chiquinho ia a passar em frente da casa do ti António, ele chamou-o e perguntou-lhe: 

Ti António: Então Chiquinho, ontem ainda chegaste a horas das brincadeiras lá a Capelins de Baixo?  

Chiquinho: Ó ti António, quem é que lhe disse que eu ontem ia para as brincadeiras? Olhe que está enganado! 

Ti António: Então, era preciso alguém dizer?  Eu não vejo com os meus olhos o que lá vai? Vais a brincar além para baixo e a fazer mal a uns e outros! 

Chiquinho: Mau, mau, ti António, até posso ir a brincar além para baixo, uma vez ou outra, mas a fazer mal a uns e outros, isso é que não!

Ti António: Isso é que não? Pensas que não tenho observado? Derrotam tudo por onde passam a correr e a saltar paredes, até as  derrubam! 

Chiquinho: Olhe lá ti António, se alguém derruba paredes, decerto que não sou eu! Eu até já faço paredes com o meu avô! E sobre o que me fez ontem, fique sabendo que arranjou um grande sarilho, eu ia com muita pressa dar um recado à Forja, porque o meu pai tem lá um cangalho a amanhar e precisava dele para hoje, mas como cheguei lá tarde por sua culpa, o ti Vicente já estava comprometido com outro trabalho e já não o conseguiu amanhar ontem! 

Ti António: Ó Chiquinho, então não vês que foi só uma brincadeira! Então, porque não me disseste que ias à Forja? Caramba, já não podemos brincar! 

O Chiquinho apercebeu-se que ele estava a acreditar, e a ir-se abaixo, pensou em lhe pregar uma partida e disse-lhe:

Chiquinho: Ti António, pense lá bem, eu disse-lhe que ia dar um recado à Forja, mesmo assim, barrou-me na talisca e não me deixou passar, com isso, causou um grande prejuízo ao meu pai! 

Ti António: Essa agora! Deixa lá,  quando encontrar o teu pai, logo falo com ele! 

O Chiquinho ficou em pânico, porque era tudo mentira e no fim ainda apanhava alguns açoites do pai, então, tentou apaziguar o ti António.

Chiquinho: Não, ti António, não fale em nada com o meu pai, porque eu já lhe disse outra coisa, que o compromisso do ti Vicente já vinha de anteontem e ele tinha de acabar o trabalho ontem, deixe lá isso, que ficou tudo resolvido, o meu pai depois foi procurar e achou outro cangalho que tinha lá na cabana do macho! 

O Chiquinho, mais uma vez, estava em maus lençóis, mas com calma foi falando com o ti António e ele concordou em não falar mais no assunto e tudo acabou em bem.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


A célebre talisca




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