segunda-feira, 21 de julho de 2025

A lenda dos Jornaleiros de Capelins

 A lenda dos Jornaleiros de Capelins

Os jornaleiros de Capelins eram os trabalhadores rurais menos qualificados, os mais simples, ou menos habilitados em termos profissionais, eram generalistas, não tinham uma especialidade que lhes permitisse ser admitidos, permanentemente numa herdade, eram o último degrau da escala dos trabalhadores rurais, no entanto, faziam quase todos os trabalhos, desde as lavouras chamado alqueive, a colheita de azeitona, a limpeza de azinheiras, oliveiras e outro arvoredo, arranjavam as lenhas, faziam as ceifas, carregavam os cereais para as eiras, faziam a debulha desses cereais, arrumavam as palhas para os gados em almiaras, preparavam as terras e faziam as sementeiras dos cereais, abriam covas para plantar oliveiras, limpavam linhas de água nas herdades e outros serviços que, empregavam muitos jornaleiros e que eram sempre os mais mal pagos, podendo receber apenas uma parte do seu salário, sendo descontado o valor da comida fornecida pelo lavrador, nesse caso, andavam a "de comer", estes trabalhadores eram temporários, trabalhavam ao dia e ganhavam a sua jorna diária, e podiam ser despedidos no fim da semana ou em qualquer dia desta, por ter terminado o trabalho ou por o lavrador ou o feitor não querer que ele continuasse a trabalhar, e se a chuva ou outro motivo o impedisse de trabalhar, não ganhavam nada.
Na Freguesia de Capelins, todas as pessoas que trabalhavam nas herdades, para os lavradores, eram chamados de "criados", embora, fossem ajudas de gado, escamel, cozinheiro, escrivão, ganadeiro, moiral de parelhas, carreiro, ganhão, feitor, jornaleiro ou outros.
Nos Registos Paroquiais de Santo António de Capelins, onde os Párocos Registavam os nascimentos, os casamentos e os óbitos desde 1633, pouco se encontra a profissão de criado e, quando surge, refere-se a criados de servir nos Montes das herdades, as profissões que mais encontramos são as de "jornaleiro" e de "ganadeiro", mas a profissão de "jornaleiro" já aparece referida nos Forais, pelo menos, nos Manuelinos do início da centúria de 1500.
Até ao último decénio de 1600 a Freguesia de Capelins tinha catorze herdades, além dos Baldios do Peral e do Roncanito, chamadas: Navais, Cabeça de Sina, estas duas ficavam fora da Vila de Ferreira, lá dentro eram: Defesa de Ferreira, Seixo, Monte da Vinha, Azinhal Redondo de Cima, Azinhal Redondo de Baixo, Defesa de Bobadela, Galvoeira, Zorra, Talaveira, Carrão, Roncão, e Amadoreira, depois do ano de 1698 passaram a ser o dobro, porque cada uma, foi repartida em pelo menos duas e em algumas courelas, excepto as herdades da Defesa de Ferreira e de Bobadela, que foram doadas à Casa do Infantado.
Estas herdades, entre todas, principalmente em épocas sazonais, como nas ceifas, precisavam de muitas centenas de trabalhadores, senão milhares, valendo aos lavradores a vinda dos ranchos dos "ratinhos beirões" que, geralmente recebiam um valor variável por empreitada, quando acabavam as empreitadas, fossem de ceifa ou de outro trabalho, voltavam às suas Aldeias na Beira.
Na Freguesia de Capelins, as herdades que admitiam mais trabalhadores, homens e mulheres, fossem jornaleiros ou outras categorias, eram o Monte Grande da Defesa de Ferreira, nesta, também recorriam aos ranchos de "ratinhos beirões" , o Monte da Travessa na Defesa de Bobadela, e o Roncanito, nestes dois casos, admitiam, mais mão de obra local.
Como foi referido, os lavradores, feitores ou escrivães, pagavam no fim da semana, em dinheiro, mas também podiam pagar uma parte dos salários em géneros, com cereais, farinha, azeite, porcos ou outros bens produzidos nas herdades.
Na centúria de 1600 o Reino de Portugal precisava de gente para trabalhar na agricultura, sobretudo no Alentejo, assim, foi para esta província que se dirigiram imensos "escravos" e vieram alguns para a Freguesia de Capelins, cuja exploração do seu trabalho ficava barata, uma vez que, depois dos comprarem já não pagavam nada pelo seu trabalho, fazendo baixar o valor das jornas, sendo uma situação muito má para os pobres escravos e para os pobres jornaleiros.
Os jornaleiros tinham uma vida muito árdua, trabalhavam muito, de dia e de noite, e não ganhavam quase nada, com a agravante de passarem temporadas sem trabalho, logo, sem rendimentos, alguns com muitos filhos para dar de comer, que chegavam a passar fome, porque os que gostavam de beber um copinho de vinho ou de aguardente ou que fumavam, quando recebiam o salário passavam pela taberna a pagar o que lá deviam e se havia algum descuido, quando chegavam a casa o dinheiro que entregavam às mulheres não chegava para pagar as dívidas na mercearia, assim, não passavam da cêpa torta.
Pelo seu contributo para o desenvolvimento da Freguesia de Capelins, pelo mal que passaram, prestamos esta singela homenagem aos jornaleiros, nossos ancestrais.
Bem Hajam

Fim

Texto: Correia Manuel
O meu avô Xico Alvanéu nascido no ano de 1902




terça-feira, 15 de julho de 2025

A lenda dos seareiros de Capelins

 A lenda dos seareiros de Capelins

Um seareiro era um pequeno agricultor que cultivava pequenas parcelas agrícolas, chamadas courelas, que podiam ser suas, ou de outros proprietários, aos quais, podiam pagar o foro, quando eram aforadas, era assim noutros tempos, e consistia no pagamento de uma renda anual, ou pagavam em géneros, entregando uma parte das colheitas aos donatários das terras, chamado terço, quarto ou quinto, conforme o acordo, e também dependia da qualidade das terras e dos cereais cultivados.
Ser seareiro, era o sonho de muitos moradores na Freguesia de Capelins, porque deixavam de trabalhar nas herdades por conta dos lavradores, trabalhavam por sua conta, mesmo que fosse de dia e noite, eram o patrão deles próprios e, embora fizessem uma agricultura de subsistência, havia quase sempre melhorias económicas no seu agregado familiar, podiam ter animais, como uma, ou duas cabras que lhe davam leite que vendiam ou faziam queijos, podiam ter mais galinhas, porque durante algum tempo davam-lhe de comer a "alimpadura" ou seja, os restos dos cereais que não podiam ser aproveitados para outros fins, ou os farelos que tiravam da farinha de trigo quando a peneiravam para fazer o pão caseiro, podiam engordar um porco, uma vez que, cultivavam além do trigo, outros cereais, como, aveia, cevada, centeio, favas, grão de bico, feijão frade, melão, melancia e outros, depois levavam alguns desses cereais aos Moinhos e mandavam fazer farinha, da qual faziam a "travia" para o porco, ou davam-lhe de comer esses cereais para o engordar e, assim podiam encher a salgadeira com carne e toucinho para todo o ano.
Alguns seareiros seguiam as pisadas de seus pais e avós, que os ajudavam a começar essa vida profissional, outros conseguiam juntar algum dinheiro, trabalhando como jornaleiros, para comprar o essencial, mas também eram ajudados por familiares, vizinhos e amigos, que lhes emprestavam algumas alfaias, quando não lhes estivessem a fazer falta.
Os seareiros, geralmente tinham algumas courelas suas, mas podiam não ter e cultivavam courelas alheias, da forma antes referida, mas tinham de ter uma, ou duas muares, os que tinham duas, chamava-se uma parelha, nesses casos, tinham algumas terras suas e já faziam parte de outro estatuto social, ficando entre o seareiro e o lavrador. Além da muar, ou muares, tinham de adquirir muitos apetrechos, desde cabrestos, cangas, burnis ou munilhas, arreatas, tirantes, guizos, tapetes, cordas, correntes de ferro, carros de tração animal, charruas ou arados, grades e outros acessórios, cuja aquisição custava muito dinheiro, ficando alguns seareiros endividados e com alguns bens penhorados logo no inicio da sua atividade.
Quando em 1262 a Família Riba de Vizela, concederam o Foral a Santa Maria de Terena, ficando seus donatários, foram delineadas várias Coutadas e Baldios no respetivo Concelho, entre os quais, o Baldio do Peral na região que mais tarde foi a Freguesia de Santo António de Capelins.
Todas as Coutadas e Baldios ficaram na posse da Câmara, que os dividia em courelas e distribuía, por sorteio, aos seareiros, os quais, pagavam por elas, uma pequena quantia à Câmara.
Neste conjunto de terras da Câmara, existiam outras courelas que foram aforadas, preços simbólicos, quase todas a militares, ordenanças, ou outros funcionários do Reino que, por sua vez, as aforavam aos seareiros, recebendo uma mais valia, essas courelas criadas em 1262, situavam-se entre a Aldeia de Faleiros e o canto da Igreja de Santo António, encabeçando com a herdade da Sina de um lado e com a herdade de Nabais até ao alto e depois com a Defesa de Ferreira pelo outro, até à primitiva herdade do Seixo, perto da guarita ou marco geodésico dos Barrinhos, junto à atual herdade doTerraço.
Assim, a partir de 1262, surgiram os seareiros no Concelho de Terena, logo, nas futuras terras de Capelins, onde estava situado o dito Baldio do Peral, constituído por quatro Baldios, Barreiros, Manantio, Vale de Martinez e Campo do Garcia, o qual, era administrado pelo povo, pagavam em conjunto uma quantia à Câmara de Terena e dividiam-no em courelas por grande número de seareiros, porém, o número de courelas aforadas, foi aumentando ao longo dos séculos, porque, com o objetivo de povoar as regiões transtaganas, alguns reis, incentivaram, ou obrigaram, os donatários dessas terras a fazer cada vez mais aforamentos a preços baixos, e foi assim que aumentaram o número de courelas, cujas terras, estavam antes integradas nas grandes herdades.
A partir dos finais da centúria de 1600, início de 1700, muitas das ditas courelas foram vendidas ou aforadas a particulares, aumentando cada vez mais o número de seareiros na Freguesia de Santo António de Capelins.
Quando foi criado o Concelho Senhorial ou Comunitário de Ferreira, talvez na centúria de 1400 ou de 1500, cuja Câmara era composta por Alcaide, Juiz, Vereadores, Escrivão, Procurador e Lavradores, foi delineada uma Coutada da Câmara, junto à atual Aldeia de Ferreira, onde, alguns seareiros cultivavam courelas e na qual, os moradores podiam, livremente pastar o gado de trabalho.
No ano de 1836, com o fim do Concelho de Terena e da respetiva Câmara, os seus Baldios foram vendidos e, nos finais da centúria de 1800, a herdade do Carrão foi dividida em courelas e, em duas pequenas propriedades, dando lugar a mais alguns seareiros nesta Freguesia.
A vida de seareiro era dura, nada fácil, porque, se chovia muito, era mau para as culturas, e nos anos sêcos, sem chuva, não colhiam quase nada e, algumas famílias de seareiros passavam por muitas dificuldades, podiam ficar endividados ou serem obrigados a vender as courelas para pagar as dívidas.
Pelo seu grande contributo para o desenvolvimento da Freguesia de Capelins, pelo que passaram, prestamos esta modesta homenagem aos seareiros, nossos ancestrais.

Bem Hajam

Fim

Texto: Correia Manuel



terça-feira, 8 de julho de 2025

A lenda dos "ratinhos" de Capelins

 A lenda dos "ratinhos" de Capelins

Os beirões que, em grupos vinham trabalhar nas herdades do Alentejo, eram designados pelos alentejanos de "ratinhos", por diversos motivos, pela aparência física e fisionomia de alguns, pelos numerosos elementos familiares, semelhantes a ninhadas de ratos e, principalmente de forma pejurativa, porque, os de cá achavam que eles vinham tirar-lhes o trabalho, a comer o que era deles e a fazer baixar o valor da mão de obra na região, sendo por vezes insultados e ameaçados de morte.
Em épocas sazonais, como o caso das ceifas dos cereais, para as quais, vinham imensos jornaleiros, homens e mulheres, como também, pessoas com diversas profissões nas suas Aldeias, desde sapateiros, alfaiates, carpinteiros, ferreiros, barbeiros, e outras, porque as ceifas do Alentejo proporcionavam-lhes melhores lucros do que os ofícios que lá exerciam.
Os "ratinhos" tinham uma vida muito árdua, geralmente, trabalhavam de empreitada sob um sol escaldante, procuravam fazer o trabalho mais rápido para ganhar mais, muitas vezes com sede e com fome, com pouco descanso, era muita pobreza.
Nas fainas em vários lugares do Alentejo, encontravam de tudo, e tanto os patrões, manajeiros ou residentes, poucos os apreciavam, notava-se muito desprezo, alguns lavradores não só exploravam o seu trabalho, como escolhiam mulheres ou raparigas para ficarem nos Montes a fazer a comida para o rancho e outros serviços, com a finalidade de abusarem delas.
Na Freguesia de Capelins, além de outras, existiam duas grandes herdades da Casa do Infantado, entre 1698 e 1834, a Defesa de Ferreira e a Defesa de Bobadela que, pela sua dimensão, a partir da centúria de 1700, recebiam os maiores ranchos de "ratinhos", dos quais, faziam parte o ti Manel Joaquim e a ti Maria Antónia, naturais de Póvoa Nova, Serra da Estrêla, já tinham dois filhos que ficavam lá com os avós maternos e, assim que a campanha da ceifa acabava, regressavam logo à sua Aldeia, embora fosse oferecido trabalho ao ti Manel Joaquim, no carrego dos cereais para as eiras, na debulha, e para fazer e tapar as almiaras de palha, e depois no arranjo das terras para as sementeiras, nas sementeiras, na azeitona, na limpeza do arvoredo, no alqueive, havia sempre trabalho, mas eles não podiam aceitar.
Quando chegavam à sua Aldeia, pagavam algumas dívidas e, como o trabalho lá, era escasso depressa gastavam o dinheiro ganho na ceifa, pelo que, esta situação levou-os a pensar em mudar-se, definitivamente para as terras de Capelins e, depois de bem pensado, no ano seguinte, trouxeram os filhos e como já conheciam algumas pessoas daqui, arrendaram uma pequena casa no Monte de Calados, onde já moravam outros ratinhos beirões, e cá ficaram.
Não era fácil conviver com as pessoas de cá, mas a maneira afável com a qual tentavam ganhar a amizade das gentes de Capelins, ia compondo a situação e, em cada ano eram mais os beirões que aqui se fixavam, alguns começavam por viver em cabanões, até conseguirem arranjar dinheiro para construírem as suas pequenas casas, mais acolhedoras que as cabanas e cabanões.
Quanto ao ti Manel Joaquim e à ti Maria Antónia, depressa ganharam a simpatia destas gentes, pela sua entrega ao trabalho sem nunca se queixarem, ele trabalhava de sol a sol na herdade da Zorra para o lavrador que tinha alguma consideração pelos seus criados e deu-lhe um pedaço de terra para uma horta, junto ao Ribeiro do Carrão, apenas com a condição de entregar uma pequena parte das colheitas para consumo no Monte da Zorra.
O ti Manel ficou muito agradecido e deitou logo mãos à obra, passando grande parte do inícios da noite, enquanto se via, ou ao luar a cavar a terra, muitas vezes com a ajuda da ti Maria Antónia e dos filhos mais velhos, fazendo uma horta nunca vista por estas bandas, embora, nos anos de grande seca, tivessem de ir buscar água aos pégos que não secavam no rio Guadiana, mas a sua horta produzia batatas, feijões, couves, alfaces, espinafres, cebolas, alhos, tomate e outros legumes, que davam para as sopas do dia a dia, com um pedacinho de toucinho que compravam, porque não tinham dinheiro para criar um porco, só tinham duas galinhas e um galo.
A vida do ti Manel foi melhorando e comprou uma courela de terra muito ruim, mas com a sua dedicação transformou o terreno de mato, numa terra fértil, que os moradores não se cansavam em elogiar, pois consideravam-na um baldio sem qualquer serventia.
O ti Manel continuou a trabalhar de noite e dia e, pouco depois, comprou outra courela junto à que já tinha e meteu-se seareiro, semeava trigo, cevada e centeio, não só nas suas courelas mas noutras que os donos das herdades lhe davam ao terço ou quarto, ou seja, em três partes era uma para o dono da terra e duas para ele e, começou a engordar um porco e a encher a salgadeira de carne e toucinho para um ano e a fazerem cozeduras de pão, mas durante a faina das ceifas, além de ceifar os seus cereais com a mulher e os filhos, continuou a fazer a ceifa na herdade da Zorra, para conseguirem algum dinheiro para as despesas da casa e, alguns filhos, começaram a ser ajudas de gado nas herdades de Capelins.
Os anos foram passando, o ti Manel e a ti Maria iam ficando cada vez mais velhos, os filhos cresceram, eram oito, seis capelinenses e dois beirões, mas todos se consideravam alentejanos de Capelins, como se todos aqui tivessem nascido, foram batizados, e casaram na Igreja de Santo António de Capelins, esquecendo as suas origens beirãs, porque, para eles, ser beirão ou alentejano era igual.
O ti Manel e a ti Maria, acabaram aqui os seus dias, junto aos filhos e netos e quando faleceram, foram sepultados na Igreja de Santo António de Capelins, deixando para trás uma longa e dura caminhada, uma grande história de vida, contribuindo, um pouco, para o desenvolvimento económico e social da Freguesia de Capelins.
Todos os anos, até aos decénios de 1950/60, vinham os “ratinhos” para as ceifas em Capelins, e já de cá, ainda conhecemos o ti rato, a ti rata, a ti ratinha e outros ratos que, sendo uma alcunha, não se importavam de assim serem chamados, porque sabiam que eram descendentes dos "ratinhos" beirões.
Assim, prestamos esta singela homenagem aos "ratinhos" beirões, nossos ancestrais.
Bem Hajam
Fim
Texto: Correia Manuel

Fotografia de Capeia Arraiana



A lenda da Micaela de Monsaraz

  A lenda da Micaela de Monsaraz Aos trinta dias do mês de Novembro de mil setecentos e cinquenta e cinco anos, nesta Igreja de Santa Maria,...