terça-feira, 8 de julho de 2025

A lenda dos "ratinhos" de Capelins

 A lenda dos "ratinhos" de Capelins

Os beirões que, em grupos vinham trabalhar nas herdades do Alentejo, eram designados pelos alentejanos de "ratinhos", por diversos motivos, pela aparência física e fisionomia de alguns, pelos numerosos elementos familiares, semelhantes a ninhadas de ratos e, principalmente de forma pejurativa, porque, os de cá achavam que eles vinham tirar-lhes o trabalho, a comer o que era deles e a fazer baixar o valor da mão de obra na região, sendo por vezes insultados e ameaçados de morte.
Em épocas sazonais, como o caso das ceifas dos cereais, para as quais, vinham imensos jornaleiros, homens e mulheres, como também, pessoas com diversas profissões nas suas Aldeias, desde sapateiros, alfaiates, carpinteiros, ferreiros, barbeiros, e outras, porque as ceifas do Alentejo proporcionavam-lhes melhores lucros do que os ofícios que lá exerciam.
Os "ratinhos" tinham uma vida muito árdua, geralmente, trabalhavam de empreitada sob um sol escaldante, procuravam fazer o trabalho mais rápido para ganhar mais, muitas vezes com sede e com fome, com pouco descanso, era muita pobreza.
Nas fainas em vários lugares do Alentejo, encontravam de tudo, e tanto os patrões, manajeiros ou residentes, poucos os apreciavam, notava-se muito desprezo, alguns lavradores não só exploravam o seu trabalho, como escolhiam mulheres ou raparigas para ficarem nos Montes a fazer a comida para o rancho e outros serviços, com a finalidade de abusarem delas.
Na Freguesia de Capelins, além de outras, existiam duas grandes herdades da Casa do Infantado, entre 1698 e 1834, a Defesa de Ferreira e a Defesa de Bobadela que, pela sua dimensão, a partir da centúria de 1700, recebiam os maiores ranchos de "ratinhos", dos quais, faziam parte o ti Manel Joaquim e a ti Maria Antónia, naturais de Póvoa Nova, Serra da Estrêla, já tinham dois filhos que ficavam lá com os avós maternos e, assim que a campanha da ceifa acabava, regressavam logo à sua Aldeia, embora fosse oferecido trabalho ao ti Manel Joaquim, no carrego dos cereais para as eiras, na debulha, e para fazer e tapar as almiaras de palha, e depois no arranjo das terras para as sementeiras, nas sementeiras, na azeitona, na limpeza do arvoredo, no alqueive, havia sempre trabalho, mas eles não podiam aceitar.
Quando chegavam à sua Aldeia, pagavam algumas dívidas e, como o trabalho lá, era escasso depressa gastavam o dinheiro ganho na ceifa, pelo que, esta situação levou-os a pensar em mudar-se, definitivamente para as terras de Capelins e, depois de bem pensado, no ano seguinte, trouxeram os filhos e como já conheciam algumas pessoas daqui, arrendaram uma pequena casa no Monte de Calados, onde já moravam outros ratinhos beirões, e cá ficaram.
Não era fácil conviver com as pessoas de cá, mas a maneira afável com a qual tentavam ganhar a amizade das gentes de Capelins, ia compondo a situação e, em cada ano eram mais os beirões que aqui se fixavam, alguns começavam por viver em cabanões, até conseguirem arranjar dinheiro para construírem as suas pequenas casas, mais acolhedoras que as cabanas e cabanões.
Quanto ao ti Manel Joaquim e à ti Maria Antónia, depressa ganharam a simpatia destas gentes, pela sua entrega ao trabalho sem nunca se queixarem, ele trabalhava de sol a sol na herdade da Zorra para o lavrador que tinha alguma consideração pelos seus criados e deu-lhe um pedaço de terra para uma horta, junto ao Ribeiro do Carrão, apenas com a condição de entregar uma pequena parte das colheitas para consumo no Monte da Zorra.
O ti Manel ficou muito agradecido e deitou logo mãos à obra, passando grande parte do inícios da noite, enquanto se via, ou ao luar a cavar a terra, muitas vezes com a ajuda da ti Maria Antónia e dos filhos mais velhos, fazendo uma horta nunca vista por estas bandas, embora, nos anos de grande seca, tivessem de ir buscar água aos pégos que não secavam no rio Guadiana, mas a sua horta produzia batatas, feijões, couves, alfaces, espinafres, cebolas, alhos, tomate e outros legumes, que davam para as sopas do dia a dia, com um pedacinho de toucinho que compravam, porque não tinham dinheiro para criar um porco, só tinham duas galinhas e um galo.
A vida do ti Manel foi melhorando e comprou uma courela de terra muito ruim, mas com a sua dedicação transformou o terreno de mato, numa terra fértil, que os moradores não se cansavam em elogiar, pois consideravam-na um baldio sem qualquer serventia.
O ti Manel continuou a trabalhar de noite e dia e, pouco depois, comprou outra courela junto à que já tinha e meteu-se seareiro, semeava trigo, cevada e centeio, não só nas suas courelas mas noutras que os donos das herdades lhe davam ao terço ou quarto, ou seja, em três partes era uma para o dono da terra e duas para ele e, começou a engordar um porco e a encher a salgadeira de carne e toucinho para um ano e a fazerem cozeduras de pão, mas durante a faina das ceifas, além de ceifar os seus cereais com a mulher e os filhos, continuou a fazer a ceifa na herdade da Zorra, para conseguirem algum dinheiro para as despesas da casa e, alguns filhos, começaram a ser ajudas de gado nas herdades de Capelins.
Os anos foram passando, o ti Manel e a ti Maria iam ficando cada vez mais velhos, os filhos cresceram, eram oito, seis capelinenses e dois beirões, mas todos se consideravam alentejanos de Capelins, como se todos aqui tivessem nascido, foram batizados, e casaram na Igreja de Santo António de Capelins, esquecendo as suas origens beirãs, porque, para eles, ser beirão ou alentejano era igual.
O ti Manel e a ti Maria, acabaram aqui os seus dias, junto aos filhos e netos e quando faleceram, foram sepultados na Igreja de Santo António de Capelins, deixando para trás uma longa e dura caminhada, uma grande história de vida, contribuindo, um pouco, para o desenvolvimento económico e social da Freguesia de Capelins.
Todos os anos, até aos decénios de 1950/60, vinham os “ratinhos” para as ceifas em Capelins, e já de cá, ainda conhecemos o ti rato, a ti rata, a ti ratinha e outros ratos que, sendo uma alcunha, não se importavam de assim serem chamados, porque sabiam que eram descendentes dos "ratinhos" beirões.
Assim, prestamos esta singela homenagem aos "ratinhos" beirões, nossos ancestrais.
Bem Hajam
Fim
Texto: Correia Manuel

Fotografia de Capeia Arraiana



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