A lenda do milagre de Santo António, ao menino de Capelins
Conta-se que, o Joaquim António e a Maria Isabel moravam numas casas na Aldeia de Ferreira, tinham casado na Igreja de Santo António de Capelins, no dia vinte e oito do mês de Setembro de mil oitocentos e noventa, naturalmente, o seu maior desejo era terem filhos, mas já tinham passado cinco anos desde o casamento e não conseguiam, então, começaram a fazer mesinhas indicadas por curandeiras (bruxas ou "soldadoras", como lhe chamavam em Capelins) e, talvez, por efeitos das mesmas, ou por outro motivo desconhecido, conseguiram o que tanto desejavam.
Aos vinte dias do mês de Maio de mil oitocentos e noventa e cinco anos, nasceu o seu filho, ao qual, foi dado o nome de Manuel, muito perfeito e cheio de saúde, sendo cumpridos todos os rituais religiosos, foi mostrado a Nossa Senhora das Neves e a Santo António e pedida a sua proteção ao longo da vida.
O Manelinho, como lhe chamavam, era o enlevo dos pais e da família, uma vez que, já tinham pouca esperança de terem filhos, logo, era uma dádiva de Deus, por isso, viviam uma grande felicidade, até que, um dia o Manelinho adoeceu, e os pais pensaram que seria alguma maleita passageira, talvez efeitos da lua, comentavam eles, mas o tempo passava e não havia melhoras, estava cada dia mais debilitado, não descansava, chorava muito, sempre assustado e pouco comia.
A Maria Isabel, andava preocupada e pediu ajuda à sua mãe que, depois de ver o menino, disse-lhe que era da lua, devia rezar a oração contra a lua e mais nada! A Maria Isabel ainda lhe disse que desconfiava das feiticeiras, porque ele, o pouco que adormecia, acordava a chorar e assustado, mas a mãe ficou assarapantada e disse-lhe para não pensar em tal coisa, porque, sabia muito bem que eram efeitos da lua e foi-se embora amuada.
O Manelinho continuava a piorar, estava cada vez mais magrinho, e a oração contra a lua, não lhe fazia nada e, cada vez que a Maria pedia ajuda à mãe ela insistia que era da lua, até que, às escondidas da mãe, pediu auxílio a uma irmã mais velha e ela assim que viu o menino disse-lhe que eram feiticeiras que lhe faziam mal, e para não esperarem nem mais um dia, tinham de ir com ele a uma "soldadora", (bruxa) que elas conheciam, deviam partir de madrugada, sem contar a ninguém, a soldadora morava num Monte perto da Aldeia do Rosário e, assim fizeram.
Saíram de Capelins pelas cinco horas da madrugada na sua carroça e, ao nascer do sol já estavam à porta da "soldadora" que, não os fez esperar, porque levantava-se muito cedo e, assim que eles entraram, antes de lhe contarem o que ali os levava, ela disse-lhe que já sabia o que se passava com o menino e confirmou que era uma feiticeira muito poderosa que lhe fazia mal, e como a situação já estava muito adiantada, o menino só se salvava se houvesse uma troca de mortes, a da feiticeira pela do menino, eram eles que tinham de escolher.
O Joaquim perguntou-lhe quem era a dita feiticeira, e ela respondeu-lhe que não podia dizer, eles iam saber, mas era quem menos esperavam, e ele disse-lhe que, fosse quem fosse, não era homem para fazer uma coisa dessas, não era capaz de matar ninguém! E a "soldadora" respondeu-lhe que, assim, ajudava a feiticeira a matar-lhe o filho.
A Maria Isabel, não se conteve e disse que, para salvar o filho, era capaz de o fazer!
A sua atitude incentivou o marido a mudar de ideia e pediu à "soldadora" para lhe dizer como teria de fazer, sem ser descoberto e preso!
A "soldadora" disse-lhe que, era fácil, tinha de seguir os passos que ela lhe indicava e continuou: - Logo à noite fazem um defumador como lhe vou ensinar e rezam uma oração que vão aprender agora e, assim que acabarem, a primeira pessoa a entrar na sua casa é a feiticeira que faz mal ao seu menino, ela vai entrar de rompante e vai perguntar por ele e diz que o quer ver, mas não vão deixá-la chegar perto dele, depois fecham a porta à chave e vão amassá-la da cabeça aos pés com uns talegos cheios de areia fina, vão-lhe dar com os saquinhos de areia até verem que ela está com dificuldade em respirar, depois, abrem a porta e deixam-na sair, garanto-lhe que ela não passa desta noite, ninguém vai desconfiar do que aconteceu e o seu menino fica salvo, como a situação está, tão adiantada, não há outra maneira de o salvar!
O Joaquim e a Maria ouviram com atenção o que a "soldadora" lhe explicou, aprenderam a oração e com as mesinhas e a cruz de caravaca, que nunca devia deixar o menino, voltaram a casa, onde chegaram a meio da tarde, prepararam tudo, e já a meio do serão, começaram a fazer o defumador e a rezar a oração, sem esperança de aparecer alguém em sua casa, já estava toda a gente a dormir na Aldeia de Ferreira, porque as pessoas levantavam-se muito cedo, pelas quatro ou cinco da manhã, para irem trabalhar nas herdades, mas continuaram, porque estava em causa a vida do seu filho e quando acabaram, pouco esperaram, entrou de rompante, uma mulher na sua casa, a perguntar como estava o menino e que o queria ver, era a mãe da Maria Isabel, a avó do Manelinho, o Joaquim e a Maria ficaram boquiabertos sem conseguirem dizer uma palavra, até que, ele fechou a porta à chave, olhou nos olhos da Maria e disse-lhe: - É pelo nosso filho, é ela ou ele, temos de o fazer!
O Joaquim pegou nos talegos da areia e ia começar a bater na sogra, como a "soldadora" lhe tinha explicado, mas a Maria Isabel deu um grito que o assustou e, naquele momento, a mãe da Maria Isabel disse-lhe: - Sentem-se lá aqui, que eu já sei qual é o mal do nosso menino e sei como o vamos salvar!
O Joaquim desistiu, aproximou-se dela e sentaram-se os três à mesa à luz da candeia de azeite e ela disse-lhe que eram as feiticeiras que faziam mal ao menino e já havia muito tempo, desculpou-se por ter afirmado que era a lua, porque a lua fazia mal às crianças, mas não era assim, e só havia uma maneira de o salvar, era encomendá-lo a Santo António, porque, não estava protegido, deviam ter feito alguma coisa mal quando lá foram com ele, que Santo António não gostou, deviam ter ido primeiro a Nossa Senhora e não foram, por isso, devia estar zangado com eles, por isso, não protegia o menino, então, no dia seguinte começavam uma novena, tinham de levá-lo lá e deixá-lo a seus pés enquanto rezavam umas orações que ela sabia, a pedir perdão, tinha de ser no fim do dia, decerto, ele os perdoava e o menino seria salvo.
O Joaquim e a Maria, ouviram com atenção e ficaram desconfiados, na incerteza se ela era, ou não a feiticeira que fazia mal ao Manelinho, ou se ela tinha desconfiado do que lhe iam fazer e estava a ganhar tempo, ficaram num grande dilema, se não fizessem o que a "soldadora" lhe tinha dito, ainda se iam arrepender, depois já podia ser tarde! Estavam indecisos, até que ela se despediu, desejou as melhoras do menino e disse-lhe que, no dia seguinte, à tardinha estava ali, para ir com eles a Santo António e foi-se embora, e eles não tiveram coragem de fazer o que estavam preparados para fazer.
Depois dela sair, ficaram a olhar um para o outro e o Joaquim disse-lhe que no dia seguinte logo decidiam o que fazer, se ela vinha ter com eles, ou se dava alguma desculpa, porque toda a gente dizia que as feiticeiras não entravam na Igreja, pelo menos a rezar e ficaram à espera.
No dia seguinte, à hora marcada, lá estava a mãe da Maria e eles ficaram surpreendidos, seguiram para a Igreja de Santo António, ela entrou sem hesitar, meteu a mão na pia da água benta, benzeu-se, rezou com eles e voltaram para casa, deixando-os abismados.
A novena foi cumprida e, ela acompanhou-os sempre, como no primeiro dia, e no último dia, o menino começou a melhorar, eles não queriam acreditar e, a partir daí, o Manelinho começou a comer e a descansar bem, e passado cerca de um mês, estava curado.
O Joaquim e a Maria Isabel, não tiveram dúvidas que tinha sido um milagre de Santo António, e fizeram o devido agradecimento, não só pela vida do filho, mas também, pela vida da mãe da Maria, que esteve marcada para morrer às suas mãos, e tiveram a certeza que ela não era feiticeira, porque, entrou na Igreja de Santo António e rezou com muita fé, por isso, ou foram enganados pela "soldadora", ou a feiticeira era outra que, por qualquer motivo, não foi lá a casa naquela noite.
Fim
Texto: Correia Manuel
Imagem de Santo António de Capelins com cerca de 100 anos