segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ator de teatro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ator de teatro 

O Chiquinho de Capelins quando entrou para a escola primária era de pequena estatura e depressa ganhou a alcunha do "pequeno", passado pouco tempo a empregada da professora, a "Neca", achou que lhe ficava melhor o "pintarroxo", o nome de um passarinho que ela gostava muito, mas a rapaziada da escola não percebiam o que era isso, e passaram a chamar-lhe "pinto roxo", assim, já todos percebiam que era um pinto de cor rôxa.  

Perto do Natal do ano seguinte, já andava na segunda classe, um dia a professora anunciou que nesse ano a festa era diferente do ano anterior, além da construção do lindo presépio com musgos apanhados no campo, com simulação de montanhas, caminhos, lagos e rios, com a choupana e o menino Jesus deitado nas palhinhas e as figuras da família, Nossa Senhora e São José, dos reis magos e dos animais, a vaca, o burro, ovelhas, cordeiros e outros, que cada um levava de casa e que a professora aceitava, ou não, nesse ano iam representar uma peça de teatro, para a qual, brevemente seriam anunciados os atores e atrizes e o respetivo papel, deixando a rapaziada muito entusiasmada.

A partir daquele dia, já não se falou de outra coisa na escola da Aldeia de Ferreira, até que chegou o dia tão esperado e, a professora anunciou o nome da peça, condizente com a época natalícia e, parece que se designava, "Jesus e o Barrabás" e foi dizendo os nomes dos alunos e alunas e atribuindo o seu papel na dita peça e quando chegou à vez do Chiquinho disse-lhe que ele seria o "Barrabás" deixando-o de cabelos em pé, porque já tinha ouvido alguns contos ao avô Xico Alavanéu sobre esse "Barrabás" que era detestável, ladrão, assassino e tinha sido trocado por Jesus na absolvição,  disse logo à professora que não queria fazer esse personagem e ficou fora de si, porque a rapaziada começaram a rir e a chamar-lhe "Barrabás", estava certo que, a partir daquele dia deixava de ser o "pequeno" e, o pinto roxo, e passava a ser o Barrabás, não podia aceitar isso! 

A decisão da professora deu um grande desgosto ao Chiquinho, que começou a chorar e a fazer uma birra, continuando a dizer que não fazia o Barrabás, mas a professora fixou-o nos olhos e disse-lhe que fazia, decerto que fazia e pouco depois, começaram os ensaios. 

O Chiquinho ainda levou algumas chapadas na cara à conta de ser ator e contrariado foi obrigado a ensaiar a peça, e no ato do julgamento de Jesus feito pelo governador Poncio Pilatos, a seguir a uma deixa dos outros atores, ele entrava na sala encostado a um pau com os cabelos desgrenhados, cabeça ao lado, barafustando e, em cima do estrado de madeira que ficava por baixo do quadro dava três pancadas com o pau e dizia: - Eu cá sou o Barrabás! E continuava com uma lenga lenga, mas tinha de falar sempre com a língua de fora, o que era impossível, ou uma coisa ou outra, não conseguia falar com a língua de fora, mas a professora não compreendia e o Chiquinho chorava irritado, misturando lágrimas e ranho, mas não foi dispensado desse papel.

No dia da representação, não houve melhoras, não ligou à deixa e tiveram de o chamar para entrar na sala, ainda pensou em fugir, mas teve medo das consequências e entrou a chorar de raiva, e involuntáriamente apresentou uma boa imagem do Barrabás, mas ninguém percebeu nada do que ele disse. 

A experiência do Chiquinho como ator de teatro, deixou-o muito traumatizado e nunca mais aceitou nenhum papel nas peças de teatro, quando surgiram convites no trabalho para representação nas Festas do Natal, porque o trauma ficou para a vida. 

Quanto à alcunha de "Barrabás", menos mal, acabou por ficar esquecida, porque, seriam já três alcunhas, demais para um rapaz só. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Escola Primária da Aldeia de Ferreira



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