segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando esbandalhou a areia do avô Chico Alvanéu

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando esbandalhou a areia do avô Chico Alvanéu

Nos alvores da década de 1960, numa tarde de um dia de um mês de Abril, o Chiquinho de Capelins brincava com o primo no quintal do avô Chico Alvanéu na Aldeia de Ferreira de Capelins de Baixo, com umas latas de sardinhas de conserva e umas ferraduras de muares que fingiam ser carroças, e carregavam terra e pedras para fazer estradas e pontes, o avô saiu de casa fechou a porta no trinco, como estava sempre e disse-lhe para não saírem dali até ele voltar, porque não demorava, ia só cortar a barba à barbearia do ti João Luciano. 

O Chiquinho e o primo andavam ajoelhados no chão, levantaram-se e disseram-lhe que iam com ele, mas ele respondeu-lhe que não podiam ir, porque a última vez tinham dado cabo da cabeça dele e do dito barbeiro, nem o pincel da barba tinha escapado, tinham mexido em tudo, até na tigela de fogo onde a ti Rosa Isabel fazia uma sopa de tomate, ao lume na chaminé, tinham ido meter o nariz, por isso, ficavam ali a brincar e não saiam dali, senão, estava o caldo entornado.

Assim que o avô deu a volta à esquina da casa, o Chiquinho disse ao primo que já não queria brincar mais, porque estava farto daquela brincadeira, ia beber água e depois logo via ao que brincavam, o primo respondeu que, também estava cheio de sede e foram os dois beber água, o Chiquinho disse-lhe que era o primeiro a beber, porque tinha sido ele a dizer que ia beber água e além disso era o mais velho e encheu um quartilho de alumínio que levava quase meio litro de água e foi bebendo devagar, nunca mais acabava, o primo já irritado começou a reclamar que, assim, nunca mais bebia e que estava a fazer pouco dele, então o Chiquinho desafiou o primo para uma aposta, qual conseguia beber mais água, o primo aceitou e foram bebendo até a água sair pelo nariz e por todo o lado, quase despejaram a cantarinha, e o Chiquinho acabou por se sagrar vencedor, mas ficaram com uma barrigada que pareciam peixes sapos. 

Quando voltaram ao quintal, não acertaram com a brincadeira que cada um queria, porque, o que ambos queriam era terem ido com o avô, e não estavam contentes com ele, por isso, o Chiquinho disse ao primo que lhe deviam fazer uma pirraça e a melhor era esbandalhar a areia que estava num monte à esquina da casa, o primo respondeu que não queria entrar nisso, e lembrou-lhe que se fossem apanhados pelo avô pagavam as favas, seria melhor outra coisa, mas o Chiquinho não desistiu, porque sabia que era isso que mais irritava o avô e continuou a insistir, dizendo que ele ainda demorava, por isso, esbandalhavam a areia e vinham brincar para o sítio onde tinham ficado e depois diziam-lhe que não tinham saído dali e tinham ouvido uns rapazes a rir ali na esquina, onde estava a areia, decerto tinham sido eles e, assim convenceu o primo. 

A areia do avô estava arrumada à parede e na base tinha uma fila de pedras bem ajustadas que não a deixavam deslizar, o Chiquinho foi primeiro espreitar à rua principal de Capelins de Baixo, viu até à curva que não vinha ninguém e ficou descansado, voltou e saltaram ambos para cima do monte de areia que se espalhou até ao meio da Travessa, andavam tão felizes a fazer o que não deviam que não deram pelo tempo passar. 

O avô não se demorou e quando estava a chegar a casa viu o trabalho dos netos, mas não disse nada, passou sem ser visto e entrou pela porta da frente e saiu pelo do quintal, o Chiquinho só deu por ele quando ouviu o primo a gritar por clemência, porque o avô estava a dar-lhe com uma corda dobrada pelos costados, mas não esperou pela sua vez, fugiu pela rua abaixo e só parou depois de passar o cruzamento da rua do Quebra, quando teve a certeza que o avô não o seguia e daí a pouco chegou o primo ofegante, a choramingar e a dizer que ele é que as pagava sempre. 

O Chiquinho respondeu-lhe que tivesse feito o mesmo que ele, podia ter fugido e armaram uma discussão, por fim confirmaram que tinham sido apanhados de surpresa, não tinham dado pela chegada do avô, por isso, o primo tinha sido apanhado.

E agora? Exclamou o primo!

Agora, já não arrumo lá até à noite! Respondeu o Chiquinho! 

Sim, não arrumas lá agora, mas tens lá a tua parte à espera, já sabes que à noite levas tu! Não sou só eu a levar! Respondeu o primo! 

Não passou muito tempo e já estavam esquecidos da areia do avô, começaram a brincar com a rapaziada que por ali andavam e depressa passou o resto da tarde.

Quando começou a escurecer e cada um foi recolhendo a sua casa, decidiram que estava na hora de irem indo para casa do avô, e o primo lembrou ao Chiquinho que tinha a corda à espera, e ele disse-lhe para se calar, porque no fim, ainda era ele que levava mais alguma cordoada e foram subindo a rua, passaram pelo monte de areia e viram que já estava todo arrumadinho, o Chiquinho foi à frente muito devagarinho, pé ante pé, preparado para fugir, se fosse o caso, abriu a porta, foi até à entrada da cozinha, viu o avô sentado à chaminé e disse-lhe: 

Chiquinho: Então avô? O que está a fazer? 

Avô: Olha, estive a fazer a ceia (jantar)! Estava à sua espera, se já têm fome, vamos a ela! 

Chiquinho: Então o que é a ceia, avô? 

Avô: Hoje são umas migas, com uns pedacinhos de toucinho frito e umas rodelas de chouriça frita! Gostam? 

Chiquinho: Eu gosto muito de migas, mas do toucinho frito não gosto! 

Avô: Não gostas de toucinho frito? Mais fica para mim! Vá, venham já! 

Com aquela conversa de bons amigos, o Chiquinho teve a certeza que a pirraça já estava esquecida, chamou o primo e não demorou já estavam a comer as migas em boa harmonia, e com o olhar, confirmaram que estavam livres das cordoadas. 

Depois da ceia e de tudo arrumado, sentaram-se os três à chaminé, e como sempre, o avô começou a contar contos e pilérias para rir, até à chegada do sono, quando foram os três para a cama e, no dia seguinte, foi outro dia.

Fim 

Texto: Correia Manuel  


Aldeia de Ferreira



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