terça-feira, 4 de julho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando levou as réguadas na Escola Primária

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando levou as reguadas na Escola Primária 

O Chiquinho de Capelins entrou na Escola de Instrução Primária da Aldeia de Ferreira com seis anos de idade, mas esteve em dúvida, por ser, fisicamente muito pequenino e porque falava muito portinhol, mas como a professora oficial da dita Escola era vizinha e por insistência da mãe, acabou por ser admitido com essa idade.

A primeira professora do Chiquinho foi a Dª Eva, era Regente,  mas muito exigente em termos de educação e disciplina, dava muitas horas de aulas, alguns dias desde as nove horas da manhã até às dezanove horas e no inverno quando já não se via um palmo à frente dos olhos dentro da sala, os alunos ficavam a rezar o terço e outras orações, e aplicava muitos castigos físicos, entre eles as célebres reguadas em abundância, nas mãos, que muitas vezes estavam geladas e depressa ficavam em brasa, as quais eram aplicadas com uma régua de madeira com cerca de cinquenta ou sessenta centímetros de comprimento e um pouco mais larga que a palma das mãos, que descarregava com quanta energia tinha sobre as mãos dos alunos e alunas, ás meias dúzias, dúzias, ou até mais, que eram o terror da rapaziada. 

A professora Dª Eva, tinha a seu cargo desde a primeira à terceira classes, perfazendo mais de trinta alunos, pelo que, tinha de ter uma boa organização, quando mandava uma classe fazer contas, mandava outra fazer cópias, e a outra a ler a lição do dia ou a fazer o ditado.

O Chiquinho era muito apressado a fazer o que ela mandava, para ficar a observar o que se passava na sala e a meter o nariz onde não era chamado, por isso, de vez em quando levava umas reguadas ou palmadas da professora, mas isso não mudava a sua forma de ser e de estar.  

Um dia, a dita professora, distribuiu os trabalhos a fazer por cada classe e mandou fazer uma cópia de um grupo de letras e palavras à primeira classe, a do Chiquinho, outros trabalhos à segunda classe e mandou a terceira classe ler e interpretar uma lição, o Chiquinho fez, rapidamente a cópia para ficar atento às lições da terceira classe, porém, quando chegou ao João António da terceira classe, ela mandou-lhe ler uma lição do livro da primeira classe "A toutinegra descuidada" já com letra de forma e elaborada, que o Chiquinho sabia de fio a pavio, mas decorada, porque achava graça à toutinegra e quando a professora mandou o João ler a dita lição, ele leu bem o título, mas a partir daí começou a gaguejar e só saía mais alguma palavra à medida que o Chiquinho, que estava a seu lado, ia dizendo à frente. 

A professora estava sentada no seu lugar à secretária e puxava pelo João, fingindo não ouvir o Chiquinho, até que chamou o João para junto dela, mas continuou tudo igual, então a professora já zangada chamou o Chiquinho para junto deles e disse-lhe lê tu a lição, ele todo orgulhoso, empertigou-se, meteu o dedo indicador em cima do título e foi acompanhando o que sabia de cor: " A toutinegra descuidada... Passava o dia a cantar, entre o verde milheiral, sem pensar em trabalhar...", a professora convencida que ele sabia o que estava a ler, ficou admirada e mandou-o parar de ler, a seguir pegou na régua e entregou-a ao Chiquinho que mal podia com ela e disse-lhe: - Dá-lhe meia dúzia de reguadas! O Chiquinho ficou aterrorizado, ia dar meia dúzia de reguadas no João que, tinha quase o dobro da idade e do tamanho dele e era seu protetor, assim, acabava-se a proteção e depois lá fora nem as acabava, mas não havia maneira de dizer não, ainda pensou em fugir da escola, mas só de pensar nisso doeram-lhe as orelhas, porque, depois, ainda tinha de voltar a ajustar contas lá em casa.

A professora estava a perder a paciência e a repetir a ordem e ele teve de pegar na régua e, depois do João abrir a mão, deixou-a cair, suavemente seis vezes, estava dada a meia dúzia de reguadas, mas a professora não foi nisso, levantou a vós a dizer para lhe dar com força, senão era ele que as levava, mas não adiantou o Chiquinho fez tudo igual, então, a professora zangada tirou-lhe a régua, entregou-a ao João e disse-lhe: - Dá-lhe tu, meia dúzia de reguadas com força! O João pegou na régua e não teve dó do Chiquinho, deu-lhe meia dúzia de reguadas como ele nunca tinha levado, deixando-lhe a mão a arder! O Chiquinho chorava, chorava, revoltado e, quando virou as costa para ir para o seu lugar a professora chamou-o, mandou-lhe abrir a outra mão e deu-lhe mais meia dúzia, ficando cheio de dores nas duas mãos e na alma, porque não achava justo, os alunos e alunas levavam reguadas quando se portavam mal ou não sabiam responder ás perguntas, mas não era o caso, por isso, não compreendia o motivo da quebra das regras, só podia ser porque ela não gostava do Chiquinho, mas se era isso, porque não o dispensava de ir com ela, com a irmã Dª Amélia, professora na Aldeia dos Orvalhos, e com a Neca, a empregada, todos os Domingos à missa na Igreja de Santo António, contra a sua vontade e não se podia negar, era uma grande injustiça e jurou não estudar mais, mas no dia seguinte já tinha esquecido as reguadas e tudo voltou a ser igual, mas a lembrança da lição da  "toutinegra descuidada", ficou-lhe marcada para a vida, como as reguadas dadas pela Dª Eva.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Escola Primária da Aldeia de Ferreira 




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