Memórias do Chiquinho de Capelins, quando teve o desastre de carro de mão
O Chiquinho de Capelins quando estava na casa dos avós em Capelins de Baixo, andava quase sempre a brincar na rua principal ou no quintal e, algumas vezes, quando a avó pensava que ele estava num desses lugares, já estava no Monte da Figueira ou num outro lugar ainda mais longe, mas logo aparecia a casa.
Quando o avô "alvanéu" trabalhava em obras por perto, ele passava por lá várias vezes durante o dia a empatar, porque, queria aprender a pedreiro com o avô e pedia-lhe para ser ele a assentar tijolos em paredes ou a rebocar e o avô fazia-lhe a vontade, deixava-o fazer mal, depois corrigia e ele ficava muito orgulhoso a dizer a toda a gente que tinha ajudado a construir aquela casa, ás vezes andava à volta dos pedreiros a fingir que apreciava o seu trabalho, e eles na brincadeira perguntavam-lhe se o achava bem feito, e ele arvorado em mestre, respondia que estavam a fazer um bom trabalho, estava tudo muito bem feito, depois, quando se cansava de andar junto dos pedreiros ia chatear o servente e dizia-lhe:
Chiquinho: Ó "sorvente", vai lá levar ladrilhos (tijolos) ao meu avô!
Servente: Não vou, não Chiquinho, o teu avô não pediu ladrilhos, não posso levar para lá muitos, senão ele não tem espaço para trabalhar, e fazem lá mal!
Chiquinho: Ó "sorvente", então vai lá levar cal (cimento) aos alvanéus!
Servente: Não vou, não Chiquinho, eles não pediram e se levo para lá muita cal, depois seca! Eu só levo para lá material quando eles pedirem, eles é que dizem quando é preciso!
Chiquinho: Ó "sorvente", eu vim de lá agora e vi que não têm lá cal e o meu avô disse que o que eu disser ao "sorvente" ele tem de fazer!
Servente: Está bem, eu faço tudo o que tu mandares, menos isso, senão depois eu é que fico em maus lençóis e tu vais-te embora para casa!
Chiquinho: Ó "sorvente", então se fazes tudo o que eu mandar, vai andar comigo de carro de mão!
Servente: É mesmo agora, quem manda és tu! Vamos só dizer ao teu avô, e como o carro de mão está lá dentro, podes vir logo nele!
O servente foi dizer ao avô do Chiquinho se podia dar uma voltinha com ele no carro de mão, e como não precisavam de material naquele momento, o avô disse que sim, mas para não se demorar.
O carro de mão estava dentro da casa da obra e o servente pegou no Chiquinho, sentou-o lá dentro e disse-lhe para se agarrar bem, para não cair e ele agarrou-se aos dois lados do carro, mas ao passar pela porta o servente não reparou e entalou-lhe as mãos nas ombreiras e fez uns arranhões que deitaram umas gotas de sangue, o Chiquinho começou a chorar e fez uma birra que assustou toda a gente, até acudiram as vizinhas pensando que tinha acontecido alguma desgraça na obra, mas viram que não era nada, mas quanto mais lhe diziam que não era nada, mais ele chorava e o avô foi encaminhá-lo para casa e disse-lhe que fosse ter com a avó para o curar.
O Chiquinho foi indo a soluçar, mas quando se aproximou de casa começou, novamente o pranto para chamar a atenção da avó e das tias, que vieram a correr pensando que ele tinha caído, ou que tivesse sido picado por vespas ou outro acidente e quando lhe perguntaram o que lhe tinha acontecido, não conseguiam perceber, ele dizia: - Tive um desastre, e chorava, chorava e não o entendiam até que, lá perceberam: - Tive um desastre!
Avó: Áh, tiveste um desastre? Como é que isso foi? Caiu-te alguma parede em cima? Não vejo nada!
A todas as perguntas da avó, o Chiquinho abanava a cabeça, negativamente!
Avó: Então, assim não sei o que te aconteceu! Pára de chorar e diz lá como foi o desastre?
O Chiquinho desde a chegada que estava com as mãos estendidas para a frente, a mostrar os ferimentos, até que a avó viu os arranhões, e exclamou:
Avó: Áh o desastre foi isso? Então como aconteceu?
Chiquinho: Foi um desastre de carro, de carro de mão, foi o "sorvente" do avô que me quis matar!
Avó: Cala-te Chiquinho, o servente gosta muito de ti, porque havia de te querer matar?
Chiquinho: Sim, sim quis, só que não conseguiu, foi por eu lhe dar ordens para trabalhar!
Avó: Pronto, está bem, a avó depois puxa-lhe as orelhas, vamos lá tratar os arranhões e já deixam de doer!
Enquanto a avó lavava os arranhões e passava água oxigenada foi outro pranto, mas por fim acalmou-se, e quando o avô veio do trabalho contou como tinha acontecido, e adiantou que eram só uns arranhões sem importância, mas o Chiquinho continuava a dizer que tinha sido um desastre de carro de mão e que o "sorvente" o quis matar, e dizia que nunca mais chegava ao pé dele e a partir daquele dia nunca mais se aproximou daquela obra do avô, onde deixou alguma pele, sendo mais uma lição de vida, que serviu para no futuro se acautelar e pensar onde põe as mãos.
Fim
Texto: Correia Manuel
Aldeia de Ferreira - Capelins de Baixo
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