segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Os Fornos Comunitários da Aldeia de Ferreira

Os Fornos Comunitários da Aldeia de Ferreira
Durante muitos séculos, o pão foi a base da alimentação das famílias, desde que tivessem pão em casa, não havia fome, porque, neste caso, nas Terras de Capelins com alguma inteligência, pão, água, sal, azeite, alho e ervas campestres, faziam refeições variadas para toda a Família, mas para o pão chegar à mesa era necessário muito trabalho que, não vamos desenvolver neste momento, porque o objetivo é escrever a breve história dos Fornos Comunitários de Ferreira de Capelins!
Assim, quando a amassadura era transformada em pães em massa, estes tinham de ser cozidos num Forno que, era aquecido a lenha!
Algumas Famílias mais abastadas tinham o seu próprio Forno, dentro de uma casa, a casa do Forno, no quintal, ao lado ou em frente do Monte, mas havia Famílias que não tinham espaço, nem dinheiro para suportar a despesa da construção de um Forno, assim, surgiram os Fornos Comunitários, ou seja, várias Famílias, moradoras na mesma rua ou Aldeia, juntavam-se, encontravam um espaço onde o Forno pudesse ser construído e pagavam entre todos o valor da sua construção, ficando o mesmo, propriedade de todos os que contribuíam e que passavam a constar de uma lista!
O primeiro Forno Comunitário que há memória surgiu na Aldeia de Capelins de Baixo dentro do quintal de Jacinta Maria e de Paulino Dias, à direita, antes da curva da Rua principal da Aldeia, hoje designada Rua Inácio Moreira Correia! Mais tarde, quando este Forno estava a precisar de grande manutenção, os comunitários e os proprietários do quintal, pensaram em o mudar para outro espaço onde não fosse preciso entrar em propriedade privada e com melhores condições, com o acordo da Junta de Freguesia, o Forno Comunitário de Capelins de Baixo foi mudado, ou seja, foi construído o atual que se situa junto à antiga estrada norte sul, que ligava desde o Rio Guadiana à Vila de Terena!
Devido a essa mudança, as suas características arquitetónicas são, relativamente modernas, embora se encontre rebocado e pintado, foi usada pedra de xisto, no interior tem a abóbada em tijolo burro, o solo é de baldosas de argila e, por cima da abóbada tem taipa, terra tratada, mas atualmente como se pode verificar , está telhado! No lado direito, tem um poial onde apoiavam os tabuleiros do pão, dos bolos e dos assados e também servia de poleiro, onde a rapaziada tinha as suas conversas, fora das horas das cozeduras!
Em Capelins de Baixo, no Monte da Figueira, agora mais tarde, foi construído outro Forno Comunitário, restrito a alguns moradores das suas imediações e, também no Monte do Pinheiro ainda hoje existe um Forno Comunitário, pertencente a alguns, antigos moradores deste Monte! Nesta Aldeia de Capelins de Baixo, existiam outros Fornos que, não sendo comunitários, os proprietários facilitavam a sua utilização a familiares e a alguns vizinhos, porque, geralmente, coziam o pão de oito em oito dias, logo o Forno sem ser usado tanto tempo, ficava muito frio e depois era necessária mais lenha para o aquecer, por isso, havia vantagens para todos nesse empréstimo!
No início da década de 1920, surgiu mais um Forno Comunitário, neste caso, na Aldeia de Capelins de Cima, num lugar de fácil acesso aos seus utilizadores! Este Forno, situava-se à esquerda mesmo à entrada do Largo central, virado para baixo, quase enquadrado com a rua principal, atual Rua de Santo António! As suas características arquitetónicas consistiam no seguinte:
Por fora era todo revestido a pedra de xisto, por dentro tinha uma abóboda em tijolo burro, no solo tinha baldosas feitas de argila cozidas a alta temperatura, por cima da dita abóbada era coberto de taipa, terra tratada, e no lado esquerdo tinha um poial feito em pedra para apoio dos tabuleiros do pão, dos bolos e dos assados, quando estava livre era o poleiro da rapaziada da Aldeia, enquanto falavam sobre as suas façanhas!
O Forno Comunitário de Capelins de Cima, tinha grande capacidade, podia cozer dez a doze pães grandes com mais de um quilograma, em cada fornada e, ainda algumas bôlas (pães pequeninos, quase retangulares), para alegria dos pequenos e, outras um pouco maiores para fazer tibornas, ou para oferecer a alguém muito pobre!
Não há memória da existência de outro Forno Comunitário antes deste, mas pensamos que, desde antes de 1700, deviam existir outros Fornos Comunitários pertencentes à Câmara de Ferreira, um em Capelins de Cima, outro em Capelins de Baixo e, talvez outro no Lugar de Ferreira, ainda hoje se encontra um Forno em ruínas junto à Ermida de Nossa Senhora das Neves!
As Famílias que aderiam aos Fornos Comunitários tinham a vantagem de dividir as despesas da sua construção e manutenção, de gastar menos lenha, porque, como o Forno ficava quente de umas fornadas para outras, era necessária menos lenha para o tornar a aquecer, no caso de Famílias pequenas, que precisavam de menos pão, podiam fazer as cozeduras em conjunto, combinavam-se, davam a lenha a meias e depois bastava uma Família colocar um sinal no seu pão, quase sempre, carregava o dedo indicador em cada pão em massa e ficavam marcados, depois coziam o pão todo junto e, cada Família, sem engano, levava os seus para casa! Mas como não há bela sem senão, também havia desvantagens, entre elas, a de estarem sujeitos à vez de cozer o seu pão, porque, quem primeiro marcava o Forno na noite anterior à cozedura, com o sinal que todos bem conheciam, era apenas colocar um ramalho dentro do Forno e ficava em primeiro lugar, quem fosse a seguir se quisesse cozer o seu pão, também no dia seguinte, podia colocar o seu ramalho em cima do que já lá estava, mas só podia usar o Forno Comunitário, depois de estar livre, este sinal era religiosamente respeitado, ninguém se atrevia a fazer batota! A Família que conseguia cozer o seu pão em primeiro, logo cedo, ainda podia ir fazer o dia de trabalho, mas nessa noite pouco dormiam, porque tinham de peneirar a farinha, amassar, depois esperar para fintar (levedar), tender (fazer os pães em massa) e por fim cozê-los, empatavam mais de seis horas! Nem todos os dias se faziam cozeduras nos Fornos Comunitários, mas havia dias mais concorridos, quando havia alívio nos trabalhos rurais!
Os Fornos Comunitários tinham adstritos os respetivos apetrechos, mas algumas Famílias tinham os seus que, geralmente eram os seguintes:
- Forcado, era um pau bifurcado na extremidade que servia para empurrar a lenha (ramalhos, esteva ou piorno seco) para dentro do Forno e para depois de enfornarem pressionar a porta do Forno!
- Esborralhador, era um pau que chegava até ao fundo do interior do Forno e servia para desfazer as brasas de maior dimensão e espalhá-las de forma uniforme pelo solo do Forno, continuando a aquecer o mesmo, durante alguns minutos, pelo menos enquanto traziam o tabuleiro com os pães em massa!
- Varredor, podia ser o mesmo pau esborralhador, ou outro, onde era ligada uma vassoura feita de piorno verde, para não arder, ou uma peça de roupa velha, molhada, que servia para limpar os restos de brasas e de cinza que tinham ficado no solo, depois de uma parte já ter sido desviada para um dos lados do Forno, ficando o solo limpo para receber os pães em massa!
- Pá, feita de madeira, com cabo comprido que chegava ao fundo do Forno, mais tarde já havia em chapa, para meter os pães em massa dentro do Forno e para os tirar depois de cozidos, mas também servia para tirar a cinza de dentro do Forno depois da cozedura e das brasas estarem todas, ou quase todas, feitas em cinza!
- Tampa da boca do Forno, para não deixar sair o calor depois dos pães estarem lá dentro, geralmente era em lata ou chapa de ferro para não arder e, era pressionada pelo forcado encostado, no entanto, havia Fornos particulares com portas em chapa de ferro com dobradiças e fecho!
Nas casas das Famílias tinha de existir, uma peneira para peneirar a farinha (tirar o farelo a casca do trigo), um alguidar de barro para amassar a farinha, uma pá de tender, em madeira, em cima da qual, faziam os pães em massa, um tabuleiro em madeira para o pão e dois panos brancos, um para o fundo do tabuleiro e o outro para tapar o pão!
Os Fornos Comunitários, também serviam para, em dias de festa cozer os bolos, assar carnes de borrego ou galinha e peixe do rio Guadiana, por isso, também contribuiam para o convívio social, uma vez que, era junto deles, que conversavam, enquanto aguardavam pelas cozeduras e assados!
Atualmente, embora os Fornos Comunitários tenham perdido a importância sócio-cultural e económica de outros tempos, são um importante património material e cultural que demonstra a identidade das Gentes de Capelins!
A Freguesia de Capelins, possui algum deste riquíssimo património e, tem apostado, de há uns tempos a esta parte, na recuperação desses espaços por forma a preservá-los em respeito à comunidade capelinense, conforme podemos verificar na fotografia em anexo!
O Forno Comunitário de Capelins de Cima desapareceu na década de 1970, era um importante monumento dos anos vinte, mas já incomodava muita gente, porque, atrás e dos lado era casa de banho, assim, sem a devida manutenção, desmoronou-se, sendo os seus restos mortais removidos daquele lugar, acabando o Forno Comunitário de capelins de Cima!
Quem ainda viveu este cenário, das cozeduras do pão, bolos e assados nos Fornos Comunitários e nos outros particulares, decerto, fica com saudades das conversas junto ao Forno, do cheirinho a pão acabadinho de cozer, num bom forno de lenha.
Fim
Correia Manuel
Forno Comunitário de Capelins de Baixo - Ferreira de Capelins


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