Memórias do Chiquinho de Capelins quando foi à loja a comprar meio arrátel de açúcar
Num lindo dia de primavera no decénio de 1960, antes da barriga começar a dar sinal da chegada das horas do jantar (almoço), o Chiquinho de Capelins dava asas à sua imaginação, através das suas habituais brincadeiras quando a mãe o chamou para ir fazer um mandado à loja da Aldeia.
O Chiquinho não teve outro remédio senão interromper a brincadeira e amuado perguntou à mãe o que era e onde era o mandado, e a mãe disse-lhe:
Mãe: Chiquinho, toma lá quinze tostões e vai lá à loja a comprar meio arráte (arrátel) d'açucre, que já não tenho aí nada para os caldos de farinha.
O Chiquinho pegou no dinheiro e foi correndo até à loja a repetir em voz alta: Meio arráte d'açucre, meio arráte d'açucre, sem dar conversa a ninguém pelo caminho, não se fosse esquecer do que ia fazer à loja.
Quando o Chiquinho entrou na loja ficou atrás do balcão, que era muito alto para ele, mas antes de chamar, foi visto pelo ti Manéli que andava empoleirado num banco de madeira a arrumar as peças de fazenda que tinham acabado de chegar à loja e perguntou-lhe:
Ti Manéli: Querias alguma coisa daqui meu homem?
Chiquinho: Queria meia arráte d'açucre!
O ti Manéli continuou a fazer o que estava fazendo sem dar importância ao pedido do Chiquinho que ficou à espera, mas naquele momento ouviu-se a voz estridente da mulher a ti Maria que estava na cozinha ao lado, a gritar: - Quem é que está aí?
Ti Manéli: Ninguém, não está aqui ninguém!
O Chiquinho pareceu-lhe mal a resposta do ti Manéli, encheu o peito de ar e gritou:
Chiquinho: Sou eu! Olha agora, quando não precisa de mim sou o ninguém, mas quando precisa é Chiquinho ajuda aqui!
Ti Maria: Eu bem me parecia que não estava enganada, Manéli mete lá aí mais uma pitadinha d'açucre ou dá-lhe um rebuçado que ele ontem fez-me um mandado e eu não lhe dei melhadura!
O ti Manéli estava a pesar o açucar com todo o cuidado, com olho de lince na balança, porque não podia passar um único grama, senão, segundo ele, abalava-lhe o ganho todo, um grama para um, outro grama para outro, eram muitos gramas perdidos, então deu um toque com o dedo indicador e disse:
Ti Manéli: Já está!
O Chiquinho estava com olhos de raposa fixos na balança a observar a pesagem e viu que não tinha caído nem um grama d'açucar e muito aflito na esperança da intervenção da ti Maria, gritou:
Chiquinho: Não está nada! Não caiu nem um grama!
A ti Maria, ou não ouviu ou não se quis meter e foi o ti Manéli que respondeu:
Ti Manéli: Cala-te rapaz, senão ainda abro o papeluço e tiro o açucar que levas aqui a mais, desde quando é que tu percebes disto?
O Chiquinho achou uma grande injustiça, mas perante a ameaça do ti Manéli, pagou o açúcar e, como ele não meteu a mão dentro do frasco dos rebuçados de frutas, perdeu a esperança de receber o rebuçado e foi-se embora a pensar na lição que tinha aprendido, os mais fracos não tinham voz.
O Chiquinho foi vivendo com o pouco açúcar que tinha e com algum rebuçado, muito raro, e o ti Manéli não adiantou nada na sua vida económica, e quando chegou a hora de ir prestar contas a Santo António, não levou nem um grama de açúcar, nem um rebuçado.
Paz à sua alma
Fim
Texto: Correia Manuel
Ferreira de Capelins
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