terça-feira, 19 de setembro de 2023

Resenha histórica da Vila de Terena e de suas Gentes

 Resenha histórica da Vila de Terena e de suas Gentes

Lembrar é homenagear!
Físicos e Médicos da Vila de Terena
Conforme documentos Régios constantes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, é no reinado de D. Manuel I, que encontramos a nomeação feita por esse rei, de vários Físicos (Médicos) nestas terras da Raia, desde Juromenha, Alandroal, Terena e Monsaraz, como já algumas vezes aqui foi publicado.
No caso da Vila de Terena, também encontramos nos Registos Paroquiais de São Pedro os nomes e indicação de vários Médicos e Parteiras após aquela data até ao Dr. Joaquim Galhardas, já no século XX, neste caso, é este Médico que os Amigos de Capelins desejam lembrar, logo, prestar uma singela homenagem, através da presente publicação e, reconhecer a sua dedicação aos doentes da Freguesia de Capelins, onde se deslocava a qualquer hora do dia ou da noite, fizesse chuva, frio ou sol, em qualquer transporte que estivesse à sua disposição.
Mais tarde, ao serviço da Casa do Povo de Terena e Capelins, deslocava-se periodicamente ás Aldeias de Ferreira de Montes Juntos e aos Montes da Freguesia, para fazer consultas aos doentes sócios daquela Instituição, e no caso de não serem sócios, ia a casa dos doentes, mediante pagamento, ou não, da respetiva consulta.
Ainda o conhecemos, pessoalmente, mas passados tantos anos, não podemos adiantar muito, além do pouco que ficou em memória e o que as pessoas que, com ele conviveram, nos contaram, por isso, tomamos a liberdade de transcrever a seguinte publicação do Blogue AL TEJO:
COLABORAÇÃO - LUÍS FERNANDO
Tratamento Natural

Joaquim Cardoso Galhardas, alandroalense convicto, licenciou-se em Coimbra, vindo a exercer medicina em Terena, sua terra de adoção.
Para acudir a um doente, em certos montes com caminhos manhosos, o transporte era uma égua.
Entre dois automóveis, conheci-lhe uma motorizada. Um dia decidiu limpar-lhe o motor…, e foi desmontando peças. Ao fazer o sentido inverso da operação, recolocando o material, constatou que sobravam várias. Mas a motorizada pegou à primeira: grande máquina… disse!
O que aqui escrevo é uma homenagem ao avô de minha mulher e bisavô de minha filha.

Domingo acordo cedo com o cantarolar lançado pela garganta bem treinada do galo residente no quintal do vizinho. Tenho vontade de uma madrugada destas lá ir, incógnito, calar-lhe o pio. O safado dá o concerto da alvorada mesmo arrimado à janela do meu quarto, interrompendo-me o sono reconfortante do dia de descanso.
Começa outra chinfrineira que oiço este ano pela primeira vez – um bácoro anuncia que está de malas aviadas para o outro mundo. É a matança do porco, ritual milenar por estas bandas – aqui não há intolerância que proíba a comezaina.
O vento ajuda ao desassossego, atirando-se com assobio estridente contra tudo o que apanha pela frente. Do lado da serra chegam os primeiros frios. Acendem-se as lareiras em casa de quem as tem, tornando o ambiente acolhedor.
Do sino do convento ecoam as matinas à procura de fregueses para as orações da manhã. Perscruto os passos dos frades que percorrem os claustros, num vaivém que só eles entendem. Diz-se que levam vida austera.
Passa um carro lançando estampidos pelo escape, arremedando intensa fuzilaria. Os que ainda dormem acordam, de certeza, atordoados com o estouro.
Alguém bate à porta. Finjo não ouvir, abafando a cabeça debaixo das mantas. O toque insiste, empurrando-me para fora da cama, aos tropeções.
–Quem será que tão cedo me vem dissipar definitivamente o merecido repouso dominical? Abro a janela às apalpadelas e logo tenho que cerrar as pálpebras pela intensidade da soalheira matinal. Reconheço a voz do Sebastião Enjeitado, mais conhecido pelo Salta Léguas – assim crismado pelo característico modo de andar aos saltos – nome que lhe assenta que nem uma luva na profissão de moço de telegramas e recados que exerce no posto público e de correio, único local de onde é possível comunicar com o exterior, o que o faz andar o dia inteiro numa roda viva. Tem umas pernas enormes e uns membros superiores diminutos, fisionomia que, associada ao saltitar, me faz lembrar um canguru. Vive em casa de D. Mariazinha, proprietária da pensão Estrela, onde, a troco de cama, mesa e roupa lavada, ajuda no que é necessário, quando os telegramas e recados lhe deixam tempo livre.
–O que temos hoje tão cedo, Salta? O posto está encerrado e tu fazias bem em estar ainda em vale de lençóis – a ver se eu consigo passar um pouco mais pelas brasas.
«Queixe-se da patrulha da Guarda, senhor doutor, foram eles que passaram por casa de D. Mariazinha e deram recado para o avisar que no monte da Fonte Limpa precisam de si para o velho Busca, há três dias tão doente que foi à cama – e se é rijo o cabrão do velho!»
–E a Republicana não te disse do que se queixa o... –não importa, seja o que for que atormente o Busca, tenho que lá ir e adiar o passeio alinhavado com a família.
«Parece ser mal de barriga, senhor doutor» – largou em voz esganiçada o Sebastião Enjeitado, quando já batia em retirada, aos saltos.
O dia que tinha amanhecido sorridente toldou-se por completo, sendo eu acompanhado no destino para o monte da Fonte Limpa, onde ia consultar o enfermo, por forte trovoada que me encharcou até aos ossos e manteve em constante sobressalto a minha égua baia.
Finalmente chego. Um rapaz toma conta do animal e a mulher do Busca, ti Maria Cosme, faz-me entrar na cozinha do monte.
Com mil lamentos pelo meu estado deplorável, introduz-me na grande chaminé para que me seque: «uma molha assim é meio caminho andado para doenças ruins e outras que se apanham com o enregelamento…, isto, senhor doutor, sem querer estar a ensinar o pai nosso ao padreca.»
Agrada-me o tom jocoso que mete na conversa. Sabe-me bem o calor do lume.
Ti Maria Cosme observa-me de soslaio e compreende, pelas voltas que o meu nariz dá, que capto o cheiro que empesta os quatro cantos da casa. Ri-se, comprometida. Logo desembucha: «o doente, graças a Deus, está melhor e não merecia a pena o senhor doutor apanhar esta carga de água, se eu adivinhasse que vinha aí uma trovoada…»
Supu-la incomodada por me ter desabado em cima a quase metade do firmamento e confirmei: –quando esta manhã o Salta Léguas foi bater-me à porta, disse que é da barriga que ele se queixa; talvez coisa estragada que tenha comido…, adiantei convicto.
«O contrário, senhor doutor, o contrário…, alvitrou a ti Cosme com acento abertamente de gracejo. O mal, a meu ver, foi estar oito dias sem sujar…, com sua licença senhor doutor, que assim percebe logo. Tinha a barriga inchada…, que nem o bucho de um boi enfartado...».
Dá gargalhadas soltas, ao mesmo tempo que um rubor súbito lhe invade a face. «Deus sabe que é modo de conversar..., que sempre fui uma mulher séria..., as duas últimas noites não me deixou pregar olho com ais!, uis! e outras coisas que tenho vergonha de dizer diante do senhor doutor. Felizmente a trovoada foi remédio santo. O “velhaco dum raio” tem medo delas desde pequeno. Quando hoje trovejou, aqui mesmo em cima do monte, fez pelos oito dias que esteve sem desenvolver».
De regresso a casa anotei, na agenda das mezinhas caseiras e tradições medicinais populares, este eficaz remédio para o “embaraço intestinal”, de que tomei conhecimento no monte da Fonte Limpa.
AC

(Dr. Galhardas - foto familiar)  


Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...