Memórias do toque do Buzino, em Capelins
Antes do inicio dos trabalhos sazonais nas herdades da Freguesia de capelins, como a ceifa, cada herdade recrutava o rancho de homens e mulheres, geralmente contavam com os habituais, aqueles e aquelas que já tinham lá trabalhado anteriormente, mas era preciso confirmar se podiam contar com eles, então, uns dias antes, os manageiros andavam de porta em porta e pelas tabernas até terem os ranchos organizados e toda a gente era informada de quanto ia ganhar, do sítio, do dia e horas de apresentação no trabalho.
Alguns trabalhadores contratados, eram da mesma família, mas nem todos moravam nas mesmas casas, muitos deles até moravam afastados, em Aldeias diferentes ou em Montes em redor, pelo que, ficava um homem de confiança em termos de cumprir os horários, encarregado de avisar a partida do rancho, pelas quatro ou cinco horas da madrugada, dependia da distância a percorrer até ao lugar onde iam enrregar e do tipo de trabalho, que podia ser a ceifa ou outro, mas como esse homem não podia andar a bater de porta em porta, tinha um grande búzio, ao qual chamavam um buzino e que, ao ser soprado, por quem sabia, produzia um som inconfundível e único que, àquela hora da madrugada ouvia-se a léguas de distância e, em poucos minutos toda a gente desse rancho estava caminhando, ainda sonambulos, na direção do trabalho nas herdades, mas como podiam ser vários ranchos com saída em horas diferentes, cada tocador do buzino tinha um código para ser identificado pelo seu rancho, dava um toque mais longo e de seguida um mais curto, ou o contrário, ou outro que todos conheciam, e o buzino era sempre tocado dos sítios mais altos, como do Monte do Pinheiro, do Monte da Figueira ou do Largo de Capelins de Cima, para se ouvir bem, em toda a região.
O tocador do buzino, tinha o cuidado de fazer a chamada alguns minutos antes da hora marcada, mas não tocava mais de duas ou três vezes, na hora da partida quem estava, estava, quem não estava, ou ia a correr atrás do rancho ou ficava a dormir e perdia o dia de trabalho, mas havia pessoas que, ou por serem seareiros, trabalhavam por sua conta, ou comerciantes, ou alvanéus, ou já não conseguiam trabalhar e estavam em casa, que a essa hora já tinham a noite de sono feita e ouviam muito bem o toque do buzino, então ficavam com o ouvido à escuta, para ouvir bater as portas dos vizinhos ou familiares e se isso não acontecesse, era sinal que eles não tinham ouvido o toque de chamada, continuando a dormir, nesses casos, lá estavam eles de serviço, sem preguiça levantavam-se das suas camas e corriam a bater nas paredes meias ou às portas e a gritar, "já tocou o buzino, já tocou o buzino"!
Os homens e mulheres que não tinham ouvido o buzino saltavam da cama, vestiam alguma coisa, pegavam na trouxa, ou seja, alguma coisa que tinham de levar, e saíam a correr, alguns ainda vestindo peças de roupa pelo caminho, mas não podiam perder o dia de trabalho e muitas vezes chegavam lá a deitar os bofes pela boca e só comiam alguma coisa quando fosse apregoada a hora da bucha,pelo manageiro, começando o dia de trabalho ainda mais duro.
O buzino, tornou-se o instrumento de sopro, mais odiado nas terras de Capelins, era parecido com o cornetim militar, considerado o culpado de tirar as pessoas da cama para o trabalho e, anos mais tarde, quando caiu em desuso para dar lugar aos relógios despertadores, quem os tinha, meteu-os no fundo dos cestos da roupa, das arcas ou das gavetas e, quando a rapaziada os encontrava nas casas dos avós e os cobiçava para brincar, muitas vezes, entusiasmavam-se a soprar na tentativa de os tocar, mas era difícil e nem todos conseguiam, então, os mais velhos, que tinham andado ao toque dos buzinos, pediam, para estarem sossegados, porque lhes faziam lembrar os tempos em que o toque dos ditos cujos, os tirava da cama e os empurrava para o trabalho duro no campo, mesmo doentes, com calor, com frio, ou com chuva.
Quem diria que, uma concha de molusco ou caracol do mar, tinha marcado a vida dos nossos ancestrais, e tinha substituído o relógio despertador que, muitos capelinenses, nessa época, não podiam comprar.
Fim
Texto: Correia Manuel
Búzio, buzino em Capelins
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