Memórias da partida ao louceiro do Redondo, em Capelins
Numa tarde, após mais um dia de escola, em meados da década de 1960, em Ferreira de Capelins, o grupo habitual meteu-se a caminho de casa, a magicar sobre o que podiam fazer de mal durante o curto caminho, mas apesar de várias propostas de cada um, não se encontrava nada de jeito, que não fosse muito grave, senão o acerto de contas, depois em casa, ou mesmo na escola, podia ser muito severo.
Quando o grupo ia chegando à porta da taberna, o João parou e disse:
João: É pá, já sei o que vamos fazer hoje!
Os rapazes pararam, olharam em volta e ficaram sem o perceber, porque, não viram nada, nem ninguém, a quem pudessem pregar alguma partida e insistiram para ele lhe explicar o que afinal iam fazer!
João: Vocês não estão a ver mesmo em frente dos seus narizes os burros do louceiro? O que querem melhor?
Manel: Então, e o que queres fazer aos burros? Não vês que estão carregados de louça! Queres espantá-los e partir a louça toda?
João: Pois, isso é que era uma bela partida, era para toda a vida!
Manel: Sim, mas as lambadas que a gente levava dos nossos velhos, também eram para toda a vida! Ou tu pensas que o homem não ia fazer queixar e éramos logo apanhados?
João: Não sei! Se a gente fizer as coisas bem feitas, não somos, como é que o louceiro sabe que fomos nós os culpados de um atabão (grande mosca da família tabanidae) picar o rabo do burro?
Manel: Ó João, mas os burros estão presos um ao outro, com uma corda, por isso, se espantarmos só um, o outro vai segurá-lo!
João: Isso resolve-se bem! A gente desata a corda e o homem sabe lá se foi o burro ao fugir que a partiu!
Não, não! Responderam os rapazes em coro! E deixaram bem claro que não entravam na partida ao louceiro, era muito arriscado, no fim, ainda apanhavam uma grande sova dos pais e tinham de pagar a louça toda, e até podia meter a Guarda Republicana.
O João chamou-lhe tudo, caguinhas, medrosos, que não eram para nada, mas não os demoveu e apressou-se a contar-lhe uma partida semelhante à que ele queria fazer, passada nos tempos do seu avô, e começou a contar:
Há muitos anos, andava por aqui um louceiro do Redondo, ao qual chamavam o ti Zé louceiro, era muito bondoso e gostava muito de beber uns copinhos de vinho, um dia estava numa taberna além em Capelins de Baixo e tinha o burro à porta, com um resto de louça nos alforges, umas panelas maiores e umas mais pequenas, apareceram uns rapazes que o conheciam e lembraram-se de lhe pregar uma partida, e se bem o pensaram, melhor o fizeram, combinaram o que iam fazer e um dos rapazes foi buscar um tôjo sêco cheio de picos e outro levantou a cauda ao burro e meteram o tôjo entalado na cilha debaixo da cauda do animal que, quando sentiu as picadas, mandou dois sopros e partiu em corrida pela estrada de Montejuntos.
O ti Zé louceiro já tinha bebido uns copinhos de vinho e estava muito descontraído na taberna, pelo que, não deu por nada, mas daí a pouco tempo foram dizer-lhe que tinham visto passar o burro em grande correria para os lados da Aldeia de Montejuntos e parecia que ia com a mosca, mas ele não se importou, nem se mexeu de onde estava e só respondeu: - Deixem-no ir andando, ele há-de aparecer!
Os autores da partida, rebolavam-se no chão a rir, mas não contaram a ninguém que tinha sido obra deles e toda a gente que por ali passava eouvia dizer que o burro do ti Zé louceiro lhe tinha fugido, culpavam a mosca que lhe tinha picado no rabo.
Quando lhe apeteceu, o ti Zé louceiro despediu-se, saiu da taberna e seguiu para o lado que lhe indicaram terem visto ir o burro e, a partir dali foi pedindo informações, se o tinham visto, deu volta a Montejuntos a Cabeça de Carneiro, às herdades que ficavam no caminho e por fim, ao terceiro dia, alguém lhe disse que tinha visto um burro com alforges da louça, a pastar, serenamente perto das Sete Casinhas, o ti Zé louceiro seguiu a indicação que lhe deram e encontrou o seu burro, mas devido às picadas do tôjo, o animal tinha-se espojado para se livrar das picadas e partiu a louça toda, a sorte é que já era pouca, rematou o João!
Depois deste relato, o João insistiu para fazerem o mesmo, e afirmava que o louceiro não descobria que tinham sido eles, era a mosca, e que era uma partida muito engraçada, e mais isto e mais aquilo, mas nenhum rapaz do grupo lhe achou jeito, porque, pressentiam que não ia correr bem para o lado deles e foram andando para suas casas a imaginar o cenário do burro do ti Zé louceiro, tinha sido muito engraçado, mas era melhor ficarem assim.
Fim
Texto: Correia Manuel
Louça do Redondo
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