quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Guerra da Restauração Uma incursão no termo de Monsaraz (28 e 29 de Setembro de 1645) - O rebate em Évora

Guerra da Restauração
Uma incursão no termo de Monsaraz (28 e 29 de Setembro de 1645) - O rebate em Évora

Conforme tinha sido referido na primeira parte desta série, um dos documentos inéditos acerca desta operação reporta-se ao sucedido em Évora, quando aí chegaram as notícias da entrada da força espanhola no termo de Monsaraz. É esse documento que a seguir se transcreve:
Sexta-feira, 29 de Setembro de 1645, dia de S. Miguel, pouco depois do meio dia, chegou recado ao capitão-mor Luís de Miranda de João de Mira, lavrador, capitão do campo da freguesia de S. Vicente, que aquela manhã vinha entrando grande poder de gente castelhana, tanto avante que entendeu que marchava para esta cidade. Mandou logo o capitão-mor chamar o sargento-mor, que viesse correndo a casa do chantre para que mandasse picar o relógio a rebate e fizesse fechar todas as portas da cidade, tirando a de Alconchel, e tocarem caixa todas as companhias; fosse tudo com muita diligência, cerrando-se as portas das estacadas, que algumas estavam no chão. Acudiram a casa do capitão-mor todos os oficiais, e o capitão Luís da Silva Vasconcelos ia correndo pela cidade a cavalo dizendo “Arma, senhores, arma”, o que causou grande perturbação nas mulheres, levantando a esta voz seus choros e gritos. Levou-se o recado ao Cabido, porquanto o senhor chantre estava de cama sangrando daquela manhã, presidindo o tesoureiro-mor Dom Veríssimo, e se mandou logo a todos os clérigos da cidade que tomassem armas, e mandaram recado a todos os conventos de religiosos para que estivessem prestes. O primeiro de todos que se foi oferecer ao capitão-mor foi Dom Rodrigo de Melo, arcediago e cónego da sé, com 24 criados armados; o mesmo fez Dom Teotónio Manuel e Dom Veríssimo, a que se seguiu uma numerosa companhia de clérigos, que levavam por capitão o mestre-escola Duarte de Vasconcelos com um arcabuz às costas, e os mais todos armados com mosquetes e espingardas. O mesmo fizeram todos os fidalgos da terra, como foram Fernão Martins Freire, seu filho Luís Freire, Henrique de Melo de Azambuja, Manuel de Mendo, Martim Ferreira da Câmara, Jorge da Silva Velho, Rui de Brito, Dom João Solis, Vasco de Melo e toda a nobreza da cidade. Foi a gente tanta que se puderam coroar os muros, porém contentou-se o capitão-mor em mandar ocupar a praça com um grande corpo de guarda, e em cada porta da cidade outro, e pelos muros, em cada ponta do lenço, um soldado de vigia.  Com o repique do relógio acudiu muita parte da gente que andava na vindima ao longo da cidade, e trouxeram consigo o gado que tinham. A gente de cavalo se ajuntou também na praça com seu capitão João de Macedo, não chegavam a cento, deles escolheu o capitão-mor uma tropa de vinte e cinco, que com o mesmo João de Macedo mandou que fossem pelo caminho de Montoito, por onde diziam que o inimigo vinha, até achar língua, e que não passasse de Montoito. Estando todas as coisas neste estado, chegou um correio de Elvas, que mandava o Conde general ao capitão-mor, pedindo-lhe cavalgaduras de carga para a bagagem do nosso exército, em caso que o inimigo saísse de Badajoz, donde até então não tinha partido. Veio este correio por Vila Viçosa e pelo Redondo e chegou à cidade às quatro horas, sem em todo o caminho se achar nova, nem rumor algum da entrada dos inimigos, por onde se entendeu que o lavrador João de Mira se enganou em cuidar que marchavam os castelhanos pela terra dentro. A certeza deste discurso se confirmou logo, porque pouco depois chegou recado de João de Mira que os castelhanos, chegando a algumas herdades, tomavam o gado e roubavam as casas e se tornavam. Mandou logo o capitão-mor este recado ao senhor chantre, com o qual se recolheram os eclesiásticos e fidalgos, mas a cidade ainda se ficou guardando pela gente da ordenança. O capitão João de Macedo passou a noite em Montoito, onde se ouviram muitas peças de artilharia e muitos mosquetes. E ao outro dia se soube como saindo alguma gente daquelas freguesias a esperar os inimigos no vau por onde dizem que entraram, lhe deram algumas cargas, com que lhe fizeram deixar todo o gado que levavam, com morte de cinco castelhanos, fugindo os outros todos, muitos deles feridos, deixando alguns cavalos. O padre regedor da Universidade mandou repicar o sino do colégio, e como eram férias e não vindos ainda os estudantes de fora, acudiram somente alguns da cidade, que não chegaram a fazer número de trinta, mas esses armados, e mandando-lhe o reitor dar sua bandeira e tambor, saíram pela cidade até casa do capitão-mor, e tornando ao colégio ficaram toda a noite guardando a trincheira da cerca.
Os castelhanos dizem que eram sete tropas, e segundo isto não podiam chegar a duzentos e cinquenta, ainda que ao outro lhe pareceu que eram quinhentos. O guia desta gente era um negro escravo de um fidalgo de Monsaraz que tinha fugido para Castela, este, como conhecia todos os lavradores daquele território e os portos por donde se podia passar o Guadiana, os devia persuadir a fazerem esta entrada, ou com esta ocasião a tomaram eles, por onde parece isto era gente solta de Xerês e Ensinasola e Aroche. O negro os trouxe pelas herdades dos mais ricos, ou dos menos amigos, mas como pela artilharia de Mourão viram que eram sentidos, procuraram logo voltar, e nas herdades onde achavam resistência passavam por se não deter.
FonteEntrada de Castelhanos no campo de Monçaràs e rebate de Évora (Biblioteca Nacional de Madrid, ms. 8187, fls. 41 v-42 v). 
Monsaraz



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