quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Uma incursão no termo de Monsaraz (28 e 29 de Setembro de 1645)

Uma incursão no termo de Monsaraz (28 e 29 de Setembro de 1645)

O ano de 1645 foi fértil em acontecimentos bélicos na província do Alentejo, desde a frustrada intenção do 2º Conde de Castelo Melhor de tomar Badajoz, passando pelas investidas do exército espanhol sob o comando do Marquês de Leganés, até ao episódio, já diversas vezes tratado neste blog, do desastre de Alcaraviça (aquiaqui, e aqui). No entanto, um dos pequenos casos de guerra que ocorreram nesse ano passou quase despercebido. Nem o minucioso Conde de Ericeira lhe faz referência na História de Portugal Restaurado (embora não lhe tenha escapado sequer a presença no exército do Alentejo, nesse ano de 1645, do rei das ilhas Maldivas, senhor de grande riqueza e muitos vassalos no Estado da Índia, que tinha vindo a Portugal pedir auxílio a D. João IV para retomar o trono que um seu irmão lhe havia usurpado, e que entretanto decidira servir algum tempo no exército daquela província, com honras de oficial superior).
O episódio de menor envergadura a que me reporto é uma entrada da cavalaria espanhola na zona de Monsaraz, que acabou por colocar em alvoroço a própria população de Évora. Sobre este acontecimento da pequena guerra de fronteira existem quatro referências manuscritas que se completam. Três foram produzidas por portugueses, ao jeito das habituais “Relações” do período. A primeira, da qual se inicia aqui a transcrição, respeita à entrada propriamente dita. A segunda reporta o acontecido em Évora após terem chegado as novas da incursão. E a terceira é a cópia de uma carta remetida de Mourão, acerca da entrada do inimigos nos campos da região. E a quarta é outra cópia, esta em castelhano, de uma carta do tenente-general D. Gregório Ortis de Ibarra para o general da cavalaria Marquês de Molinguen, dando conta do sucedido na operação.
Nada do que aqui se irá apresentar foi alguma vez publicado, tendo eu tomado conhecimento deste episódio esquecido da guerra de fronteira através de um manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Madrid, cuja cópia em boa hora me foi enviada pelo estimado amigo Julián García Blanco, a quem muito agradeço.
A transcrição do original manuscrito foi vertida para português corrente.
Boa parte das terras que no século XVII serviram de palco à incursão que aqui é relatada estão hoje submersas, devido à construção da barragem do Alqueva, como se pode verificar pela imagem retirada do Google Earth que acima se reproduz. Mas retornemos à narrativa, interrompida no momento em que 80 infantes e 17  cavaleiros da ordenança montados em éguas saíram de Monsaraz.

Relação da entrada dos Castelhanos no termo de Monsaraz
Em 28 deste mês de Setembro, véspera do bem-aventurado Arcanjo S. Miguel, vieram à coutada desta vila seis corredores castelhanos, e nela cativaram três homens nossos e os levaram. Veio logo recado a esta praça, saíram dela doze homens nossos em éguas, que foram em busca sua até muito além de Cheles; e foi Deus servido que errassem a trilha, porque fora sua perdição se lha acharam, porque haviam de segui-la até se meter no poder do inimigo. Os voltadores [sic] castelhanos com os prisioneiros foram ao da Lapa, aonde acharam muita gente de cavalo, mui luzida, com muitas couras guarnecidas de ouro e prata, e bandas de custo, e muito gentis cavalos; e é certo que era a melhor cavalaria escolhida, a que tem o inimigo em Badajoz. Dizem que eram seiscentos cavalos; e há outros que afirmam que era maior número. Com a confissão que fizeram os cativos se puseram logo a caminho para o termo desta vila, de modo que, quando amanheceu, estavam metidos dentro nele. Em S. Pedro do Corval deixaram uma tropa e foram repartindo outras pela terra dentro, e punham-nas em partes altas e descobertas, porque seus corredores fossem saqueando e ajuntando o gado, o que fizeram com grande cuidado, roubando a maior parte das casas do termo; porque o fizeram quase a toda a freguesia de S. Pedro, e na de Caridade lhes ficou muito pouco, e ainda tocaram na das Vidigueiras, e no termo de Évora e Montoito, usando de crueldades em razão dos roubos, porque despiam a toda a mulher que achavam com bom vestido, e pelo conseguinte a homens e meninos. Mataram duas ou três pessoas sem pelejarem e feriram poucas mais. Em três ou quatro montes se fizeram os nossos moradores do termo fortes e ficaram livres. A mesma sorte teve a aldeia do Reguengo de Baixo, porque de umas trincheiras que tem, com poucos defensores que ali se acharam, os detiveram e fizeram retirar. Da mesma maneira se houve o Licenciado Paulo Duarte, que com alguma gente que se lhe ajuntou, se defendeu do inimigo, e fez que não chegasse à igreja e aldeia que ali está. Diferente a tiveram as aldeias do Reguengo de Cima e a do Mato, que as entraram e saquearam, e todos os mais montes que há por aquela banda, donde roubaram muita quantidade de roupa, fato e algum dinheiro, e até na igreja de S. Pedro entraram e despiram as imagens da Virgem Nossa Senhora do Rosário, e Conceição, deixando-as no chão como se foram hereges.
Depois de ajuntarem todo o gado vacum que por ali havia, que era muito muito [sic], e cabras e porcos que também era muita quantidade, se vieram recolhendo para S. Pedro, aonde se ajuntaram todos, e vieram marchando pela estrada que vem de Évora para esta vila.
No dia do glorioso Arcanjo S. Miguel, pela manhã, chegou a esta vila nova [ou seja, notícia] onde estava o inimigo, mas muito diferente na quantidade do que era, porque diziam que seriam 150 homens de cavalo. Ordenou logo o capitão-mor Luís Álvares Baines que lhe saísse desta vila gente; para o que se ofereceu logo o capitão António Pereira de Oliveira, que foi com a que havia, acompanhado dos alferes Gaspar Grisante, Rafael Segurado e Miguel Gomes de Sampaio, com o sargento da companhia do dito capitão, Francisco Mendes Couto, e os sargentos Simão Lopes e Diogo Mendes. E assim se foram [a] caminho da serra da Atalaia. Seriam pouco mais de oitenta infantes, com dezassete homens de éguas que aqui estavam. 
Se foram detrás da serra de Gaspar Dias, aonde estiveram com determinação de esperar o inimigo (se por ali viesse). Depois de um bom espaço de tempo se tornaram todos a subir a serra, porque lhe chegou um corredor nosso novo, que o inimigo vinha marchando pela estrada de Évora para passar entre a serra e as vinhas e que eram muitos, no que se certificaram com a vista e temeram com muita razão, porque vinham cinco ou seis castelhanos para cada infante nosso. E assim se foram retirando pelo cume da serra para pé da atalaia, aonde fizeram alto, e ouviu-se uma voz de um soldado bisonho, e disse “senhores, o poder do inimigo é muito grande, mostremo-nos neste alto espalhados para que pareçamos muitos”, o que se executou com tão bom acerto que foi total perdição do inimigo e remédio nosso. Neste tempo vinha o inimigo passando pelo Monte do Duque com três tropas de vanguarda e seus corredores diante, e contra o Monte do Azevel e a aldeia dos Motrinos. Fizeram alto as três tropas, aonde estiveram grande espaço de tempo indecisos, porque seus corredores lhe levaram a nova que haviam visto da aldeia (onde haviam estado) muita gente na serra e ao pé da atalaia que era nossa. Na detença que fizeram deviam de mandar aviso às quatro tropas que vinham de retaguarda na acumada do Monte do Duque, donde pareciam os campos cobertos de gado, que era muito. Deviam tomar resolução de virarem com temor da nossa gente, parecendo-lhe que era muita e que seria ali vinda de Olivença, porque perguntavam a um prisioneiro quantas léguas havia daqui àquela praça; e dada a resposta pelo prisioneiro, viraram todo o gado e a cavalaria pela de Mísia Nunes, e pelo Barrocal da Morgada, e Santa Margarida, vindo sair ao Monte do Caminho e ao de Gaspar Pereira, aonde chegaram Baltasar Limpo, Manuel Tenreiro e Fernão Rodrigues e o Garção, e o João Nunes e o Tourillo, e Diogo Mendes dos Abandeiros, soldados de cavalo da ordenança desta vila e termo, que iam em seguimento do inimigo. E no dito Monte de Gaspar Pereira tiveram um[a] gentil escaramuça com uma pouca de gente que ali estava, dando-se muito boas cargas por espaço de muito tempo, e saíram também os castelhanos a dar-lhas, até que largaram o posto e se foram seguindo os mais, e não pararam ainda aqui porque se foram [a]trás [d]eles, e nas matas tiveram outra mais travada. E é certo que os desviaram da adega e horta do Licenciado Marcos Esteves, sendo os castelhanos mais de vinte e os nossos os sobreditos.
Os nossos da serra, vendo o muito poder do inimigo, estavam perplexos, sem saberem o que haviam de fazer na parada que o inimigo fez à vista deles. Disse então um dos mais atentados soldados  dos nossos, que era grande temeridade estarem ali com tão pouca gente, porque se o inimigo se resolvesse a vir por aquela parte e os [a]cometesse, que mal lhe poderiam resistir. Que o acerto era com grande brevidade retirarem-se para a vila, porque ficaria nela muito pouca gente, e que poderiam lá ser necessários. O capitão António Pereira de Oliveira, parecendo-lhe bem o conselho, despachou logo um de cavalo ao capitão-mor, dando-lhe conta do poder que era muito superior ao nosso, que se lhe parecesse retirarem-se para a vila o fariam. Partido este recado, viram que o inimigo virava para baixo, e sem esperarem resposta do capitão-mor se veio a nossa infantaria, com alguns de cavalo, pelo caminho da vila, e dela mandou segundo recado o dito capitão ao capitão-mor, que o inimigo ia virado para passar o rio de Guadiana por baixo desta vila, que lhe desse sua mercê licença para vir ocupar um porto, por onde se entendia havia de passar o inimigo. E logo, sem esperar resposta, se pôs a caminho com grandíssima pressa por chegar ao dito porto primeiro que o inimigo. E o dito capitão-mor lhe mandou recado, que fosse em boa hora.
Partido o dito capitão pela outra parte da vila sem ser visto nem sentido do inimigo, foi o dito inimigo seguindo seu caminho para o dito porto, e encontrando a gente do Reguengo de sobressalto, todos se espalharam cada um por onde pôde, porém logo se foram ajuntando com seu capitão Domingos Pires Guato, e (…) se lhe ajuntou o capitão Domingos Valada com a sua companhia das Vidigueiras, e ambos juntos vieram pelos alcances do inimigo, até chegarem a avistá-lo junto aos Álvaros Gis, e por aquelas barrocas e partes mais altas e ásperas o vieram seguindo sempre, [a]tirando-se-lhe alguns tiros de mosquetes a seus corredores de retaguarda, com o que os inquietaram muito, e assim lhe vieram seguindo os passos até o Monte do Boi, dando-lhe muito boas cargas. Vendo-se o inimigo enfadado de os nossos o perseguirem tanto, ou por lhe fazer algum dano, se virou com a maior parte de sua gente em tropas fechadas para os romper, ou pôr em fugida, o que começaram a fazer alguns, que fora total perdição de todos se o capitão Valada não metera mão à espada, dando-lhe muitas espadeiradas e algumas feridas, ajudado do capitão Guato e do seu sargento, de sorte que os fizeram ter, e tiveram lugar de ganhar um palanquezinho que ali está, donde se tiveram e esperaram ao inimigo. Dando-lhe muito boas cargas o rebateram, depois de porfiarem um bom espaço por entrarem no palanque, que todo o tinham cercado, e como não lhe faziam bom agasalho, se foram alargando. Neste tempo, com o tiro de uma cravina caiu um cavalo de um que andava diante, devia de ser pessoa de porte, porque como se retirou deixando o cavalo, logo todos largaram a pretensão e se vieram em seguimento do gado que vinha pelo Monte do Caminho. Saindo às duas lameiras e serra do Vale de Xeres se vieram chegando ao rio, porém o gado todo o levaram para baixo, de modo que esteve junto do Álamo, que fica muito distante do porto por onde queriam passar. E chegando com o dito gado ao Monte dos Mouros, dizem que tiveram vista de dois ou três homens de cavalo nossos, e imaginando que havia gente nossa no porto de Portel, vieram com o gado rio acima. O capitão António Pereira, tanto que chegou ao porto de Vila Velha com a gente que levava, passou o rio da outra parte. Escolhendo um bom posto, se puseram encobertos para que se o inimigo [a]cometesse o dito posto, o rebater. E chegando alguns do inimigo ao dito porto, se disparou por descuido um mosquete nosso, com que foram sentidos os nossos, de sorte que o inimigo se começou a retirar. Contudo, aqui se lhe [a]tiraram alguns tiros de mosquete, com que se desviaram mais depressa e fizeram alto na Cabeça Solta. Ali deviam ter aviso, ou viram que o gado ia muito abaixo e marcharam todos para lá, e encontrando-o, que já vinha para cima, se vieram todos em demanda do mesmo porto, e tornaram a fazer alto na Cabeça Solta. Nesta volta que fez o inimigo, tiveram lugar as companhias do termo, que já se lhes haviam juntado a de S. Marcos e a de Montoito, de lhe darem algumas muito boas cargas entre o Vale de Xeres e o Monte da Barca. E investindo aqui os nossos, guiados do capitão Guato e Simão Lopes, com uma boa tropa que o inimigo ali tinha, lhe fizeram largar o posto e fugir para os mais. Já aqui o inimigo vinha perdido, porque a gente do capitão lhe ficava à retaguarda, e por diante achava o porto por onde queria passar impedido, e assim se resolveu a mandar duas valentes tropas, com mita gente, a passar pelo porto de Mourão, que chamam o porto de São Gens, guiados pelo mulato Mateus, natural desta vila, cativo [ou seja, escravo] que foi de Baltasar Limpo. Bem viu o capitão António Pereira vir aquela gente a passar, mandou logo pôr sentinelas, por que os não colhessem descuidados. Passado o inimigo da parte de além do rio, e feita uma das tropas em duas, os acometeu no porto com grande ímpeto e fúria, imaginando fazê-los largar o posto ou rompê-los, e com grande grita[ria] das outras tropas que ficaram desta parte com o gado, que diziam com muito altas vozes, para que as outras tropas que acometiam os ouvissem “cerra Espanha, cerra Espanha”, e isto muitas vezes, querendo também cometer o posto, para que uns de uma parte e outros de outra tomassem os nossos, que os tinham no meio, e os rompessem ou fizessem largar o posto, para eles passarem com o gado livremente. Mas foram as duas tropas tão bem recebidas e com tão boas cargas, que depois de os investirem duas vezes se retiraram com perda, e vindo a outra sua tropa muito à pressa, em socorro, se encontraram junto da igreja de Santiago que está naquele lugar, e não sei eu que novas as duas tropas lhe deram, que todas se retiraram ao largo, e depois voltaram sobre o porto de Mourão, aonde fizeram alto. A outra sua gente que estava desta parte, tanto que viu o sucesso dos seus e ouviram uns poucos tiros que alguns nossos [a]tiraram ao porto de São Gens, logo desentenderam de tudo e largaram todo o gado e fugiram infamemente pelo rio acima, indo sempre ao longo dele por partes por onde se não pode andar a pé, mas que não fará o temor e necessidade.
Neste tempo tinham chegado catorze ou quinze infantes nossos ao dito porto, e como os inimigos iam tão apressados, lhe deram suas cargas, que os meteram em tanta confusão que se apinharam dentro na água. Muitos passaram a nado pela garganta do pego, que se o rio levara alguma água ocasião houve de se perderem muitos. Aqui lhe tomaram muitas cavalgaduras carregadas de roupa e cinco cavalos seus e alguns escravos que levavam cativos, e os prisioneiros, e assim se foram fugindo. E ao passar por Mourão lhe saiu o tenente de Dom João de Ataíde [era o tenente Agostinho Ribeiro] com alguns vinte cavalos que ali ficaram, a escaramuçar com eles dando-lhes cargas e chamando-os para lhe chegar a artilharia, o que se logrou porque lhe [a]tiraram nove peças, que lhe deram no meio das tropas e lhe mataram dois cavalos, mas não se sabe quanta gente, porque não deixaram pessoa alguma. E lhes perderam no nosso termo alguma gente, eu tenho alcançado que são doze pessoas as que se acharam mortas e outras que lhe viram levar em cavalgaduras atravessadas. E de crer é que que, em tanto distrito que se lhe foi [a]tirando, lhe mataram muita gente, porque foram seguidos mais de légua e meia [aproximadamente 7,5 Km], e a tempos se lhes davam muito boas cargas, e é certo que levaram muita gente ferida, e lhe ficaram muitos cavalos mortos. De um prisioneiro que levaram até onde fizeram pouco soubemos, que toda a noite estiveram gemendo muitos que seriam os feridos, e diz este que se achou perto donde estavam falando uns castelhanos, e que dissera um: “mal viaje havemos echo”, e falando outro, parece que encontrando-o [ou seja, contrariando-o], tornara ele: “boto que nos cuesta mas de cien hombres entre muertos y heridos”, no que se não põe dúvida, pelo bom agasalho que se lhe havia feito em todo o dia. E é de notar que não houve da nossa parte nenhuma morte nem ferida, donde eu entendo e creio que foi um grande milagre que Deus Nosso Senhor fez, por intercepção do Glorioso Arcanjo São Miguel e das almas do Purgatório, cujas festas se faziam naquele e no dia seguinte. E para que ficasse todo o louvor à gente desta vila e termo do bom sucesso deste dia, há-de se advertir que mando[u] o capitão-mor desta vila dois ou três recados muito a tempo ao de Mourão; e o mesmo fez o capitão António Pereira depois de estar no rio, que lhe mandasse algum socorro, ou lhe mandasse guarnecer algum porto; não mandou soldado algum [o capitão-mor de Mourão], desculpando-se que tinha pouca gente para poder mandar. E ainda que se pudera dizer que o Limpo, com os companheiros, fizeram grande temeridade em escaramuçarem com o inimigo, não se lhe pode negar o louvor a todos; nem menos ao capitão António Pereira que, com tão pouca gente e mal disciplinada, se opôs a tanta cavalaria e tão luzida, que é de crer vinha muita gente de porte nela. Em resolução todos o fizeram muito bem e cada um melhor. Queira Deus levar muito avante este Reino, e que as armas do nosso Rei sejam sempre vitoriosas dos nossos inimigos.


E assim termina a relação. Uma longa narrativa que empola uma acção insignificante no contexto da guerra, mas de grande importância para uma região que não era então das mais agitadas pelas operações na fronteira e cuja pacatez fora quebrada de forma brusca e súbita. Essa escala de vivência da guerra confere outra dimensão ao drama humano, quase sempre esbatido no grande quadro das operações militares.

De realçar que Mateus Rodrigues não inclui esta incursão nas suas memórias, apesar do documento aqui transcrito se referir à  intervenção da companhia onde o soldado servia na altura, a do comissário geral D. João de Ataíde. Contudo, o memorialista refere, em algumas passagens da sua obra, a região onde se desenrolou este episódio e na qual a sua companhia esteve alojada pelo menos entre 1644-45 e 1648.
Um outro dado aparentemente menor, mas que é de salientar, é a referência, por parte dos soldados espanhóis, ao termo “Espanha” como grito de guerra e factor de identificação. Mais um exemplo a juntar a vários outros que tenho vindo a pesquisar e a encontrar, e que contraria opiniões académicas recentes e bem divulgadas (estou a lembrar-me de alguns trabalhos do Professor António Hespanha e do Dr. Fernando Dores Costa), nas quais se nega a ideia de “Espanha” como factor identitário por parte dos militares de Filipe IV, apontando para a historiografia tradicional portuguesa, nacionalista e romântica, a criação desse pretenso “mito”. Nada como investigar a fundo as fontes primárias para corrigir mitos mais recentes – mas é essa, mesmo, a função do historiador, cujas conclusões nunca são definitivas.

Blog de História Militar dedicado à Guerra da Restauração ou da Aclamação, 1641-1668 









FonteRelação da entrada dos Castelhanos no termo de Monçaras (Biblioteca Nacional de Madrid, ms. 8187, fls. 45 v-49)

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