Vidas do Contrabando e dos guardas fiscais nas
terras de Capelins
As memórias de um
tempo em que o contrabando era um modo de vida de muitas pessoas nas terras de
Capelins desde há centenas de anos! Existem documentos datados de 1463, do
reinado de D. Afonso V, que se referem ao contrabando no Concelho de Terena,
que era essencialmente de gado, cereais, armas, couros e mercadorias.
Os contrabandistas de Ferreira de Capelins,
Montejuntos e outras localidades vizinhas entravam em Espanha e dirigiam-se a cidades,
vilas e aldeias, como: Olivença, Vila Real, São Bento da Contenda, São Rafael
de Olivença, Valverde de Leganés, Almendralejo, Almendral, Táliga, Alconchel,
Cheles, Barcarrota e outros lugares, durante a noite, de carga às costas que
variava entre os 25 e os 40 quilogramas e, ao longo de distâncias que poderiam
atingir mais de 50 quilómetros.
O que ganhavam com o contrabando
foi ao longo de séculos, o sustento de muitas famílias da Freguesia de
Capelins, sendo, em alguns casos um suplemento dos salários nos trabalhos
agrícolas, mas havia muitas famílias que vivam exclusivamente desta atividade.
Desses tempos, ficaram as memórias e ainda os testemunhos de algumas
personagens, como o Ti Agostinho de Almeida, Joaquim do Assobio, Natalino,
Abrantes, Lagarto, Lourenço, Fura, Batista, Jacinto, Varandas, Busca e muitos
outros, chegaram a passar o rio Guadiana numa noite mais de 40 homens e
respetivas cargas em barcos a remos dos moleiros ou de pescadores como o Ti José
Glórias, Venâncio, Faustino, Fura, Varandas e outros. Esses homens mantinham um
permanente jogo do gato e do rato no desempenho da sua atividade, entre eles
que viviam do contrabando e daqueles que tinham por missão o seu impedimento, a
guarda fiscal.
As rotas do
contrabando eram, geralmente, por veredas, matagais, pedregulhos, barreiras, buracos,
por lugares com mais difícil acesso e que podiam servir de esconderijo para os homens
e para as cargas de forma a ludibriar a guarda fiscal do lado de cá ou a guarda
civil (carabineiros) do lado de lá! Para que as campanhas tivessem sucesso, existia
uma conduta, cumplicidades e entreajuda, mas também das comunidades rurais e
urbanas das localidades espanholas colaboravam com os contrabandistas
portugueses em alguns casos devido à reciprocidade, ou seja na aquisição de
produtos para trazerem de volta.
Os contrabandistas estavam
sempre em alerta e avisavam os companheiros da proximidade dos guardas, porque
tinham muito medo de serem apanhados e perderem a carga de café, mesmo os que nunca
foram detidos pelas autoridades dos dois países, ouviram muitas vezes as balas dos
carabineiros a zumbir perto dos ouvidos.
O dia-a-dia não era
fácil para os contrabandistas, mas também não era para os guardas fiscais, apelidados
de “pica-chouriços”, tal como as rotas, por utilizarem um ferro comprido e aguçado com o qual
verificavam se havia alguma carga de contrabando escondidos nos matos ou outros
lugares propícios, que se queixavam das condições a que eram sujeitos para
desempenhar a sua missão, ficavam em outeiros, com frio e a chover, ou com
muito calor, sem poderem sair dali, quase sempre em pé mais de 12 horas, a vigiar uma determinada
área onde poderiam passar os contrabandistas e, no caso de os detetarem teriam
de os deter, apreender a carga, preencher um auto de notícia e aplicar uma
multa. Mas a guarda fiscal de Montes Juntos não queria apanhar os
contrabandistas, quando os viam disparavam alguns tiros para o ar, para eles
fugirem e a guarda ficava com a carga de café que, depois era leiloada e, geralmente
adquirida pelo fornecedor. Os guardas fiscais colocados na raia tinham uma vida
muito dura e, apesar de serem a força armada do Ministério das Finanças tinham
ordenados muito baixos, obrigando-os a procurar alternativas de sobrevivência
como cultivar hortas e a procurar casas de habitação muito simples, devido ao
custo das rendas.
Os produtos transacionados
pelos contrabandistas entre os dois países, nos anos 50 a 90, eram variavelmente
os seguintes: Para lá, em grandes
quantidades, o café camelo! Para cá: Louças de pyrex e esmaltadas, rebuçados,
chocolates, calças de ganga, botas, medicamentos, perfumes, tabaco, roupas,
toucinho, azeite, tripas de porco, pneus, peças de automóveis e gado.
Os antigos contrabandistas
que ainda estão entre nós, mantêm hoje, uma relação normal com os últimos
guardas fiscais, sem nenhum rancor do passado.
Com a abertura das
fronteiras no início dos anos 90, o contrabando praticado durante séculos pelas
comunidades rurais localizadas na raia, com mais intensidade entre as terras de
Capelins e as localidades espanholas acima referidas acabou-se, dispensando o
efetivo da Guarda Fiscal concentrado ao longo da fronteira entre os dois países,
o mesmo acontecendo com a guarda civil, que só na província de Badajoz, existiam
26 postos distanciados entre si seis quilómetros e, na Freguesia de Capelins,
existiam dois postos da guarda fiscal, um no centro da aldeia de Montes Juntos,
cujos guardas deviam vigiar a fronteira entre as Azenhas D’ El - Rei e os
Moinhos Novos e, outro designado de
Miguéns na herdade do Azinhal Redondo de Baixo, hoje Roncanito, que vigiavam o
espaço geográfico entre os Moinhos Novos e o Moinho do Gato.
Existem muitas
peripécias passadas na Freguesia de Capelins e nas terras de Espanha entre os
contrabandistas, a guarda civil, a guarda fiscal e outros intervenientes que
enriquecem a cultura do povo capelinense.
Como existia
contrabando, tinha de existir guarda fiscal e, só existia guarda fiscal, porque
existia contrabando! No entanto, o contrabando implicava guarda fiscal, mas a
guarda fiscal não implicava contrabando!
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