segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Os Moinhos do rio Guadiana nas Terras de Capelins

Os Moinhos do rio Guadiana nas Terras de Capelins 

Em Montes Juntos, aldeia que serviu de residência a diversos moleiros, os moinhos do Guadiana são o motivo central de um memorial erguido junto ao antigo posto da Guarda Fiscal, mas também de quadras feitas por residentes recentemente colocadas nas paredes do casario em redor do edifício.

Azenhas D' El-Rei

A Azenha dEl Rei de fora teve um aferido com uma cobertura temporária, de mato, que, no século XX, foi substituída por uma cobertura de cimento.
Já a Azenha d’El Rei de dentro dispunha de uma abertura ou janela na sua parede divisória interior, correspon-dente à linha de fronteira entre Portugal e Espanha, que, segundo um antigo moleiro de Cabeça de Carneiro, José Glórias, foi encerrada por ocasião da Guerra Civil de Espanha (1936-1939).

Os acarretadores dos Moinhos 

Alguns moinhos do Guadiana tinham acarretadores e até mais de um, da casa, mas outros não tinham, na medida em que, como disse um antigo moleiro de Montes Juntos, Venâncio Silva, no contexto de uma conversa informal em 1997-1998, «a maioria [dos moleiros] não tinham carroças» ou qualquer outro meio de transporte de cargas de certo volume.

As guias no Posto da Guarda Fiscal de Montejuntos 

Os fregueses dos Moinhos das terras de Capelins, eram obrigados a fazer-se acompanhar de uma guia de transporte emitida pela Guarda Fiscal, de modo a que o transporta-do não fosse considerado contrabando. Da mesma maneira que os moleiros tinham que declarar às autoridades aduaneiras as existências – animais e bens – que possuíam junto ao moinho:
«Cinco quilómetros desviado da Guadiana para lá não se podia ter nada sem uma guia do posto da Guarda Fiscal. Fossem gali-nhas ou porcos. À saída, tinha que se vir dar baixa; se morresse algum animal, tinha que vir dar baixa. Era uma guia passada ali no posto de Montes Juntos. Mesmo esses que andavam carre-gando para lá, os maquilões, tinham que ir ao posto tirar uma guia. Até 300 quilos, pagavam-se 15 tostões; em passando os 300 quilos, eram
25 tostões. Houve um homem que levava 400 quilos e foi ao posto e disse que só levava 250; mas um guarda desconfiou e foi lá ao carro, fê-lo pesar. Mamou 500 mil reis de multa porque levava mais. Esse homem era de Ferreira [de Ca-pelins]. Isso há já quase 50 anos. Quinhentos mil reis que pagou e depois teve que levar a guia. Ele ia com a parelha do pai, ia para os Moinhos Novos de Cima» (José Glórias, antigo moleiro de Cabeça de Carneiro, entrevistado em 1994-1995.

Apesar do isolamento, os moinhos eram importantes locais de convergência, sendo usual o facto de neles ou nas suas imediações se encontrarem pessoas, incluindo fregueses, lavadeiras, pastores, maiorais de gado, pescadores e, nalgumas zonas, mendigos, sobretudo no Verão:

«A Guadiana, naquele tempo, andava muito mais acompanhada que anda hoje. Uma grande diferença. Hoje, se lá for, é raro encontrar uma pessoa e antes era a todo passo. Em todo o sítio aparecia família. Desconfio até que os maiorais diminuíram. Chegava-se ali a El Rei [ao moinho], em meu tempo, em vindo o Verão, estava sempre povoado de família. Ali no Bolas e na Cinza [era] igual. Ou família de maiorais ou mulheres de maiorais, a família que ia para ali a lavar [a roupa] ou a arranjar uma coisa de moitas ou buinho ou junça. Em vindo o Verão, havia sempre gente. (E do lado de Espanha também) Também havia quem fizesse isso, mas era menos; só ali à do Pijin [pescador de Cheles]. Havia muitos daqui que iam para lá só para ver banhar as espanholas, elas sabiam banhar bem» (Venâncio Silva, antigo moleiro de Montes Juntos, entrevistado em 1994--1995»). 

Durante e após a Guerra Civil de Espanha, parte destes moinhos foram ainda muito procurados por habitantes do outro lado da fronteira luso-espanhola para aquisição, não só de farinha, mas também de outros géneros alimentares que os moleiros tinham em depósito junto ao rio, como café, açúcar e arroz, e que podiam vender desde que tivessem o respetivo despacho emitido pela Guarda Fiscal. Nas palavras de um antigo moleiro de Montes Juntos, Venâncio Silva, proferidas numa conversa informal em 1997-1998:

«Os moinhos trabalhavam ali todos. Eu, na Moinhola, tinha lá sempre três mós a moer dia e noite; tinha alturas de nem ir à cama. E havia ali uma convivência muito grande com os espanhóis. Quando foi lá da miséria deles por causa da guerra, quem lhe valeu foi a gente. Vinham ali aqueles espanhóis e aquelas espanholas a comprar farinha, açúcar, café, arroz… bom, os artigos que a gente lá tinha no depósito; fazíamos um despacho e já podíamos vender aos espanhóis e eles vinham ali comprar».

Segundo Maria Olímpia da Rocha Gil (1965:184), em finais do século XV e durante o século XVI, havia moinhos dependentes da Coroa em diversos concelhos do Alentejo, nomeadamente, Alcácer do Sal, Monsaraz, Terena. 

Como já era do nosso conhecimento os Moinhos das Azenhas D' El-Rei em 1600 e parte de 1700 eram da Coroa, do Rei, mas nos finais de 1700 já os encontramos em mãos de particulares, porque, quando o Rei estava crivado de dívidas, tinha de vender estes bens.
Como já referimos, o nome dos Moinhos têm a ver com o nome dos seus proprietários, fosse em nome individual, fosse de uma Instituição, como a Misericórida, Ordem, Almoxarifado ou outros, veja-se estes, que não ficam nas terras de Capelins, mas vizinhos:
"O Moinho do Boi no Guadiana deverá o seu nome a Maximiano Gonçalves Boy, lavrador do termo de Monsaraz e tesoureiro do fisco real em 1738, que teria tomado o moinho por aforamento à Casa de Bragança, que, segundo apurámos, também era proprietária dos moinhos do Meirinho.

Tal como o Moinho do Bufo, foi do Lavrador de Santa Luzia e também lavrador na herdade do Pego do Bufo daí o nome, o qual morava no Alandroal.

Veja o que conta o ti José Glórias, Moleiro, da Aldeia de Cabeça de Carneiro: 
Houve casos em que o aproveitamento das águas do Guadiana durante o estio foi objeto de discórdia, como sucedeu entre o dono do Moinho Novo de Cima e o dono do Moinho Novo de Baixo no século XIX.:
«[Os donos] andaram em demanda e aquele de Baixo é que se matou pelas mãos dele. Porque o de Cima tem três aferidos e o de Baixo tem dois e, então, devia dar dois dias de água ao de Baixo e três ao de Cima. O juiz procurou qual a fazenda que tinha mais valor, lá lhe disse que era o de Cima e, então, deu 18 horas para o de Cima e 6 horas para o de Baixo, três dias para o de Cima e um para o de Baixo. Era na falta de água, o de Cima moía três dias e o de Baixo só um, foi decretado pelo tribunal. Isso não foi no meu tempo, foi no tempo de meus avós» (José Glórias, antigo moleiro de Cabeça de Carneiro, entrevistado em 1994-1995).


Como já tinhamos referido, devido à falta de água no Rio Guadiana o Moinho das Azenhas D' El-Rei de fora tinha um motor a diesel para poder moer durante o verão! 

"Mais recentemente, em meados do século XX
, para obviar à falta de água no Guadiana, alguns moinhos foram equipados com um motor de explosão adaptado a um casal de mós, como ocorreu no Moinho das Azenhas D' El-Rei e outros. Em alguns casos, como nos Moinhos do Caneiro e nas Azenhas de Fagundes, para não permanecerem inativos durante as invernadas, esse mesmo motor (a diesel) foi posteriormente colocado junto à casa do moleiro, situada a meia chapada, mimetizando aquilo que havia sido feito de início na Azenha d’El Rei de fora." 

Alguns proprietários dos Moinhos do rio Guadiana nas terras de Capelins 

- O proprietários do Moinho de Miguéns foi Francisco Martins Malato, nascido em São Marcos do Campo e residente no Outeiro, Monsaraz, que o herdou do sogro.
- José Glórias, antigo moleiro de Cabeça de Carneiro que adquiriu o Moinho do Bolas na década de 1950. 
- Domingos Pinto, antigo moleiro de Monsaraz, cujo pai, também moleiro, possuía o Moinho de Calvinos. 
- José Pires Gonçalves (1961-1962) faz saber que o Moinho do Gato «tomou o nome de Pedro Gato, almoxarife em Monsaraz, que, por morte do enfiteuta Manuel Fernandes, falecido sem herdeiros e crivado de dívidas, o tomou por aforamento de 2.500 reis anuais em 18 de Dezembro de
1715.

«Vinha o freguês e perguntava de caldeiradas. O Manuel, que era o mais velho, ou eu íamos a ver de peixe. Fazíamos uns cevadouros, eh, vinham aquelas tarrafadas cheias de peixe. Fazíamos a caldeirada e, depois, sentávamo-nos de roda de um alguidar grande, um barrenhão, que tínhamos e tudo de roda da mesa. Eu era o mais novo, era sempre o castigado. Eu ficava ao serviço e eles a comer e a beber. Até que cheguei aos 22 ou 23 anos, di-go-lhes aqui assim:

‘ó rapazes, isto não tem sentido nenhum, agora passa a ser de doutra maneira; em havendo aqui uma pân-dega de vinho, um dia eu, outro dia tu e outro dia o outro’ . Trabalhávamos lá os três. Bom, assim foi. Mas os meus irmãos não tinham sentido para aquilo, eu estava cá sentado:
‘Zé, vai lá a ver que a farinha não vai boa’» (José Ramalho, antigo moleiro de Montes Juntos, entrevistado em
1994-1995).

O ofício de moleiro

«Era um ofício como outro qualquer, conquanto era muito traba-lhoso [e] muito sujo. Tinha que se andar todo o dia carregando sacos de um lado para outro, uns mais pesados, outros mais leves, conforme quanto tinham. Ah, era a vida da gente» (José Rito, an-tigo moleiro de Montes Juntos, entrevistado em 1994-1995).

«No Inverno, não se podia trabalhar nos moinhos da Guadiana porque os moinhos estavam debaixo de água […] (O que fazia nessas alturas?) Ia moer para o moinho do Inchado no Lu-cefecit. (O que levava?) Só levava, num carro, numa carroça, de frete, algumas coisas para trabalhar, para poder joeirar os trigos e amanhar... Levava a roupa e uma panela, pronto. Era só quase abrir a porta. Estava tudo preparado. O que pertencia ali ficava lá tudo, cambeiros e isso. Eu ficava lá até que a Guadiana baixasse. Quando o Lucefecit enchia, ali meio dia, esperávamos ali que ela baixasse. A Guadiana levava meses. […] Dormíamos lá dentro do moinho, fazíamos lá o comer e tudo. Estava lá mais um companheiro, estava lá por minha conta, eu pagava-lhe dinheiro [de jornas] e dava-lhe de comer» (Venâncio Silva, antigo moleiro de Montes Juntos, entrevistado em 1994-1995).

Era necessária carta profissional para ser Moleiro?

Quando foi perguntado se para exercer o ofício de moleiro era preciso ter carta profissional ou de examinação, Venâncio Silva, antigo moleiro de Montes Juntos, declarou numa conversa informal junto à lareira da sua casa em 1997-1998:
: «Não, não havia lá cartas nenhumas. Era aquele que era capaz, fazia e pronto. Eu senti-me capaz com 17 anos, tomei conta daquilo tudo [o Moinho da Moinhola]».
Os fregueses dos Moinhos podiam ser de localidades muito distantes, havia a presença de fregueses do Redondo e de terras mais distantes nos Moinhos do Bolas e da Moinhola, perto de Montes Juntos.
Havia lavradores que recrutavam moleiros a troco das chamadas «comedorias», inclusive quando os moinhos moíam apenas cereais da respetiva casa de lavoura, o que chegou a suceder, por exemplo, no Moinho do Gato! As comedorias eram o vencimento quinzenal ou mensal dos trabalhadores concertados, isto é, dos trabalhadores rurais que eram anualmente contratados pelas casas de lavoura

– como os carreiros, os guardas das herdades, os feitores, os maiorais do gado, os pastores e os moleiros – a troco de géneros: trigo, azeite, grão, morcela, toucinho, vencimento esse que era complementado pelo designado «ensacado», vencido no fim do ano de trabalho, que normalmente coincidia com o dia de Santa Maria, 15 de agosto.


Com as publicações sobre os Moinhos do Rio Guadiana nas terras de Capelins, é intenção dos Amigos de Capelins, prestarem uma singela homenagem aos homens e mulheres que se dedicaram a esse ofício de "Moleiro" e, a ele ligados, mas foi graças aos seus testemunhos e à publicação do Livro de Luís Silva "Os Moinhos e os Moleiros do Rio Guadiana" que conhecemos e demos a conhecer algumas coisas sobre a referida atividade! Bem hajam! 
(Adaptado e partes do livro Os Moinhos e os Moleiros do Rio Guadiana de Luís Silva)

Moinho das Bolas











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