domingo, 26 de janeiro de 2025

Memórias da partida dos mentrastes do Chiquinho de Capelins 

Numa tarde de um mês e Outubro nos finais do decénio de 1960, o Chiquinho de Capelins seguia pelo caminho que liga as Aldeia de Ferreira de Capelins e Rosário a buscar as cabras que pastavam na courela das colmeadas e, quando chegou ao ribeiro do poço do telheiro viu o senhor Monteiro, um caçador de Lisboa, que vinha passar algumas semanas, alternadas, a esta Aldeia na época da caça, andava agachado no vale a olhar e a mexer na erva que por ali existia, o Chiquinho pensou que andaria à procura de alguma perdiz chumbada e começou a imaginar que seria bom que ele não a encontrasse, para depois dele abalar ir-se por ela e apanhá-la, mas quando estava nesses pensamentos o senhor Monteiro levantou a cabeça e chamou-o: 

Senhor Monteiro: Boa tarde Chiquinho, chega lá aqui! 

O Chiquinho, embora contrariado, porque pensou que era para o ajudar a achar a perdiz, foi lá e respondeu: 

Chiquinho: Diga lá o qué'que me quéri qu'eu vô com munta pressa a buscári as minhas cabras! 

Senhor Monteiro: Olha lá, tu conheces bem a hortelã? 

Chiquinho: Atão não havera de conhecêri! Tenho lá atão pôca np mê alegrête! 

Senhor Monteiro: Então diz-me lá se isto é hortelã, é que é tal e qual, mas o cheiro não me cheira! 

Chiquinho: Não senhôra, senhôri Montêro, não vê qu'isso são montrastis (mentrastes)! 

Senhor Monteiro: Montrastes? Nunca ouvi isso em lado nenhum! Montrastes? 

Chiquinho: Sim, senhôra, são montrástis! 

Senhor Monteiro: Então e isto, serve para alguma coisa? 

Chiquinho: Bom, bom, se sérvi, não chegam prás encomendas! 

Senhor Monteiro: Não chegam para as encomendas? Mas o que fazem com eles? 

Chiquinho: Fazem chá! O qué ca'haviam de fazêri!

Senhor Monteiro: Fazem chá? E é bom para quê? 

O Chiquinho já amuado porque, antes já se estava a vêr a molhar sopinhas no molho da perdiz do senhor Monteiro, viu que não havia perdiz nenhuma, respondeu:

Chiquinho: Atão, éi pra'lavári as nalgas! 

Senhor Monteiro: Mau, mau, já faláste melhor, tás a gozar comigo? 

Chiquinho: Não tô não, senhôri Montêro, issi éi o que dizem aí os homes mais antigos, que fazem chá de montrastes com malvas, despois sentam-se um bocado drentro do alguidári ondi tá o chá e em nove dias seguidos curam as alborroidas! 

O senhor Monteiro até deu um salto, abriu muito os olhos e continuou:

Senhor Monteiro: Tu não me digas uma coisa dessas, eu tenho esse problema e até hoje não encontrei nada que me fizesse bem, vou já levar um molho de montrastes e de malvas para fazer esse chá e se for como tu dizes fica sabendo que vais ser recompensado.

Chiquinho: Tá bem'i senhôri Montêro, até'i logo! 

O Chiquinho seguiu o seu caminho e começou a rir da mentira que tinha pregado ao senhor Monteiro, mas ficou sério quando se lembrou que podia estar metido numa camisa de sete varas, então se o chá de montrastes empolasse as nalgas do senhor Monteiro e ficasse em carne viva sem se poder sentar, quando ele cá voltasse ia acertar contas e pensou em voltar atrás a dizer-lhe que era tudo mentira, mas como ele já ia chegando à Aldeia encolheu os ombros e pensou que se corresse mal, dizia-lhe que tinha ouvido isso aos homens antigos, por isso, não tinha culpa nenhuma, e seguiu a ver das suas cabras. 

Na madrugada seguinte o senhor Monteiro partiu para Lisboa carregado de montrastes e de malvas e o Chiquinho nunca mais se lembrou da partida que lhe tinha pregado até ao dia em que ia com a mãe à loja do ti Zé Francisco e estava o senhor Monteiro sentado à porta da casa onde ficava alojado conversando com outros homens e assim que viu o Chiquinho levantou-se e chamou-o, mas com cara de amigo, foi quando ele se lembrou da partida dos montrastes e, pensou que ia levar alguns sova, mas o senhor Monteiro meteu a mão ao bolso e disse: 

Senhor Monteiro: Chiquinho, toma lá, porque o chá que tu me ensináste fez maravilhas, agora até vou levar mais, porque já não chega para as encomendas, olha tenho lá uma prenda para ti mas esqueci-me de a trazer, ando sempre a correr e deixo sempre lá metade das coisas, mas fica descansado que cá há-de vor ter!

O Chiquinho agradeceu os vinte cinco tostões em voz baixa, porque achou pouco, era uma injustiça a descoberta do século valer só vinte e cinco tostões e pela conversa do senhor Monteiro, que não chegavam para as encomendas era certo que ele ía enriquecer em três dias, e os vinte cinco tostões davam para dois pacotes de bolachas de baunilha à do ti Zé Francisco e pronto, a não ser que a prenda que o senhor Monteiro lá tinha para ele fosse uma bicicleta, ou um relógio de pulso ou uma coisa de ouro, senão, não era justo, uma descoberta tão importante paga por vinte e cinco tostões. 

O tempo foi passando e o senhor Monteiro continuou a vir caçar para as terras de Capelins, mas nunca mais se lembrou de trazer a prenda prometida ao Chiquinho e, ele pensava sempre o mesmo, que pena os montrastes não lhe terem empolado as nalgas para que ele não se pudesse sentar. 

A partir daí, cada vez que o Chiquinho passava por cima ou perto de montrastes, pulava-lhe em cima, para os destruir, não fosse o senhor Monteiro aparecer e os levasse, decerto para os vender por bom dinheiro, para lavarem as nalgas lá para Lisboa. 

Passados muitos anos, o Chiquinho lembrou-se de pesquisar se os montrastes (mentrastes) faziam, ou não empolar alguma coisa e verificou que, eram uma planta medicinal da espécie Ageratum conyzoides L., indicada para auxiliar no tratamento de artrose, cólicas menstruais, feridas ou infecção urinária, devido às suas propriedades anti-reumáticas, anti-inflamatórias e cicatrizantes. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Mentrastes 




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