quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A cozedura do pão das feiticeiras de Capelins

 Tradições de Capelins

A cozedura do pão das feiticeiras de Capelins
Noutros tempos, em Ferreira de Capelins, quando chovia e ao mesmo tempo estava sol, geralmente na primavera, no mês de Abril, a rapaziada ficavam admirados por chover com sol, não achavam normal e lembravam-se da lenga lenga "A chover e sol, estão as feiticeiras a fazer pão mole" e começavam a dizê-la em coro. Depois, alguns rapazes interrogavam outros: - Isto será mesmo verdade? E alguns rapazes afirmavam que sim, já ouviam isso aos avós e bisavós e a toda a gente da Aldeia! E logo outros propunham ir a percorrer os Fornos de cozer pão da Aldeia de Ferreira a ver se a ti Maria, a ti Antónia, a ti Chica e outras mulheres que tinham fama de ser feiticeiras, estavam a fazer a cozedura do pão naquele momento, e todos se prontificavam a fazer a rota dos Fornos do pão e partiam a correr debaixo de chuva, porque tinha de ser confirmado enquanto chovia e fazia sol, e os Fornos eram todos passados a pente fino, mesmo os que ficavam dentro de casas particulares, mas não era preciso entrar lá, porque se estivessem de cozedura o cheiro do bom pão cozido ou enquanto cozia chegava a grande distância, mas não avistavam as chamadas feiticeiras e voltavam ao ponto de partida encharcados até aos osso, mas arranjavam sempre alguma desculpa para manter viva a tradição da lenga lenga, e para não se renderem, cada um defendia a sua ideia, uns diziam que já deviam ter acabado a cozedura, àquela hora já era tarde, outros diziam que secalhar não precisavam de pão nesse dia, ou outra coisa qualquer, mas que o ditado era certo, disso a rapaziada não duvidava, e rematavam que mais cedo ou mais tarde as feiticeiras seriam apanhadas a cozer o pão, porque o dito não falhava.
Texto. Correia Manuel
Fotografia: Correia Manuel 2013
Forno Comunitário de Ferreira de Capelins



terça-feira, 2 de dezembro de 2025

História de Capelins Custo de um sepultamento na Freguesia de Santo António de Capelins no ano de 1835

 História de Capelins

Custo de um sepultamento na Freguesia de Santo António de Capelins no ano de 1835
No ano de 1835 na Freguesia de Santo António de Capelins, e não só, os sepultamentos ainda eram feitos dentro da Igreja, era impensável sepultar um Cristão fora de uma Igreja, se estava esgotada era acrescentada, ou faziam outra.
Vejamos quanto custava um funeral nesse ano e nesta Freguesia, sendo diferente se fosse um adulto ou um anjinho, ou seja, uma criança e por quantas partes se dividia esse valor. Os indigentes ou de extrema pobreza não pagavam nada.
Assim:
"Dos usos e costumes dos enterros desta Freguesia de Santo António de Capelins, Termo de Terena, Arcebispado de Évora, que achei quando dela tomei posse como Pároco a 12 de Agosto de 1835.
De encomendar uma pessoa grande ao pé da Igreja, uma Missa de corpo presente e Assento no livro tem o Pároco: -----2.500 réis.
O Sacristão que acompanha tudo:--------------------- 740 réis.
A Fábrica da Igreja-------------------------------- 400 réis
Custava o funeral: 3.640 réis.
Sendo a encomenda junto à Igreja, porque supõ-se que se fosse mais longe seria diferente, mais caro.
De encomendar um Anjinho ao pé da Igreja, uma Missa de corpo presente e Assento tem o Pároco:--------- 340 réis.
O sacristão que acompanha tudo: -------300 réis.
A Fábrica da Igreja: ----------------------- 200 réis.
Custava o funeral: -------------------------840 réis.
O Pároco: António Laurentino Sopa Godinho
Diz o Sacristão Moreira, que quando querem Missa de corpo presente falem das duas, o Pároco tem obrigação dizer que tem o Pároco por esta 800 réis e o Sacristão 120 réis.
Lembramos que 1000 réis era 1 escudo.
No inicio dos anos 70, 1 pão de quilo custava 3.300 réis, ou seja, 3 escudos e 30 centavos.
Logo, não se podia morrer, o funeral era mesmo muito caro.
Este livro foi rubricado pelo Pároco José Agostinho da Silveira Gusmão.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Planta das sepulturas dentro da Igreja de Santo António de Capelins

 História de Capelins

Santo António de Capelins
Notícias
8 de Setembro de 2025
Documento do mês de agosto de 2025
Até ao séc. XIX, nomeadamente até 1840, era prática comum os corpos serem sepultados nas igrejas. É notória a existência de uma hierarquia dentro das mesmas, ficando as famílias de elevado estatuto social, como nobres, eclesiásticos ou pessoas abastadas com os lugares privilegiados junto aos altares e em capelas particulares, locais que segundo a ideologia católica os deixava mais próximos de Deus. Já o povo era sepultado no adro das igrejas em covas em que colocavam vários corpos, como podemos testemunhar nos livros de registos de óbito das paróquias, mas existiam algumas exceções.
Para documento do mês de agosto seleccionou-se a “Planta das sepulturas da Igreja de Santo António de Capelins” que se encontravam na Capela-mor, no Altar do Rosário e no Altar das Almas, para os sacristãos se orientarem na abertura das covas pela antiguidade dos enterros, regulando-se pelo número das mesmas. Em baixo consta uma sugestão para os párocos anotarem, nos registos, o número da sepultura em que enterravam os defuntos, para os sacristãos se orientarem na abertura da cova seguinte, e não enterrassem “…um corpo sobre outro antes de ser consumido…”, como já acontecera. Ao folhear o livro verificou-se que a maior parte dos párocos não aplicou o que lhes fora sugerido.
Arquivo Distrital de Évora






quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A lenda da Micaela de Monsaraz

 A lenda da Micaela de Monsaraz

Aos trinta dias do mês de Novembro de mil setecentos e cinquenta e cinco anos, nesta Igreja de Santa Maria, Matriz de Monsaraz, baptizei e pus os santos óleos a Micaela, que nasceu no dia 01 de Novembro, filha de José Madeira e de Ignácia das Candeias. Assim, escreveu naquela data, o Vigário de Monsaraz, Pedro José de Morais. 

A Micaela foi a terceira filha deste casamento e a primeira menina na família, pelo que, era o enlevo de todos, até ao dia em que a sua mãe descubriu que ela era invisual e, foi como se o terramoto que tinha acontecido no dia do seu nascimento se tivesse repetido, o pai culpou a mãe por lhe dar uma criança cega, mas ainda ficaram na esperança de ser uma situação passageira e com o auxílio de algumas mézinhas ou rezas começar a ver, mas depois de ser vista pelos médicos da Vila de Monsaraz, por curandeiros e curandeiras da região, todos disseram que, como era cega de nascença, não havia nada a fazer, mas que ela, ia-se adaptando e podia fazer uma vida quase normal.

A família da Micaela ficou muito chocada, mas com o passar dos anos foram-se habituando à situação, e a inocente até era feliz, porque não conhecia mais nada, mas só tinha o amor da mãe, uma vez que, para o pai e para os irmãos deixou de existir, sendo substituída por outra menina que, entretanto nasceu, e todos os afetos eram para ela. 

A Micaela foi crescendo e, quando tinha oito anos, ficou sózinha no mundo, nessa época, surgiu uma epidemia que ceifou muitas vidas, entre elas, a de sua mãe, causando-lhe um grande desgosto.

A menina era maltratada por todos, o pai nunca a tratava pelo seu nome, para ele era "aquela coisa", e os irmãos sempre que se aproximavam dela, davam-lhe empurrões que a faziam cair e ela começou a ser muito infeliz, passando muito tempo a chorar em silêncio.

A Micaela conseguia fazer quase todos os trabalhos da casa, mas isso não chegava, porque os importantes nesse tempo, eram os trabalhos no campo, e ela sentia-se, e era um fardo para a família, então, quando fez vinte anos, o pai pensou em se desfazer dela, mas era certo que ninguém a queria para casar, então, mandou-a arrumar alguma roupa, porque ia sair de casa, e foi falar com um mendigo de Monsaraz chamado José, conhecido pelo Zezinho por ser muito bondoso, um pouco mais velho do que ela, disse-lhe que lhe dava Micaela e podia usá-la na mendicidade, decerto lhe davam mais esmolas por ela ser cega, e ainda lhe dava algum dinheiro, não lhe permitindo recusar.

 O pai da Micaela levou o Zézinho até à porta de sua casa, chamou a menina que já tinha alguma, pouca roupa, arrumada num saco de serapilheira, pegou-lhe num braço e deu-lhe um empurrão na direção do Zezinho, dizendo-lhe: Leva daqui esta coisa, a partir de agora é tua. 

O Zezinho pegou no saco, deu o braço à Micaela e levou-a para o seu pobre casebre junto à Ribeira da Pêga, fizeram o caminho sem dizerem uma palavra, quando chegaram, ele disse-lhe que ia tratá-la muito bem, que não tivesse medo dele, depois deu uma volta pelo casebre, muito devagarinho, e ia dizendo o que tinha na frente, ela ía tateando e conhecendo o pequeno espaço, por fim, ajudou-a a sentar-se num banco e começaram a falar sobre o que podiam fazer na sua vida e como ele não sabia fazer nada dos trabalhos rurais, restava-lhe continuar na mendicidade, como já faziam os seus pais, mas ela estava muito infeliz, não parava de soluçar, deixando o Zézinho muito triste.

Com o passar do tempo, a Micaela começou a ter confiança no Zézinho, ele dava-lhe muito carinho, coisa que ela não conhecia, nunca tinha sido tratada assim em toda a sua vida, falavam cada vez mais e ele começou a levá-la a dar alguns passeios, explicando-lhe tudo o que os seus olhos viam, dizendo-lhe que os olhos dele eram dos dois, e foi num desses passeios junto à Ribeira da Pêga e do Azevel que começaram a trautear algumas cantigas e davam tão certo que parecia que cantavam em conjunto desde sempre, e cada vez acertavam melhor, ao ponto de começarem a ser falados nos ranchos dos trabalhos nas herdades, causando muita curiosidade dos trabalhadores e trabalhadoras que começaram a pedir para os levarem lá para os ouvirem, eles acabaram por ir  e o sucesso foi tanto que, em pouco tempo, a sua fama já tinha passado os limites do Concelho de Monsaraz.

Por sugestão e insistência de alguns admiradores, um dia o Zézinho pediu a Micaela em casamento, ela que já estava apaixonada por ele, aceitou dizendo que nunca tinha sido tão feliz na sua vida e no dia seguinte foram falar com o Prior Francisco Xavier de Andrade, que tratou dos papéis de estilo e o casamento realizou-se na Igreja de Nossa Senhora da Lagoa, no Domingo dia 29 de Setembro de 1776.

Depois do casamento, quando iam a sair da Igreja, cruzaram-se com a irmã dela que, ao vê-la dirigiu-se a ela, o Zézinho pensou que a fosse felicitar e deu-lhe espaço, o suficiente para ela lhe dar um empurrão, dizendo: "O que anda esta coisa  a fazer aqui? A Micaela caiu desamparada, bateu com a cabeça na soleira da porta da Igreja, ficando estendida no adro a sangrar e inanimada.            

As pessoas que por ali estavam acudiram e levaram-na em braços para o Hospital do Santo Espírito, dos Irmãos do Espirito Santo de Monsaraz, situado ali na Praça, mas considerada já sem vida, porém, como foi logo socorrida, passou alguns dias entre a vida e a morte, até que, numa manhã abriu os olhos e deu-se um milagre, que foi atribuído a Nossa Senhora da Lagoa, porque, desde sempre, ela lhe rezava e pedia para a deixar ver, e aconteceu, começou a ver, ninguém acreditava nela, mas perante o que ela dizia que tinha na sua frente, tiraram as dúvidas.

Este milagre, foi falado por toda a região, até além da fronteira e, surgiram muitos romeiros em Monsaraz a rezar e a fazer pedidos a Nossa Senhora da Lagoa.

Depois de passar algum tempo no hospital, a Micaela teve alta e, já casada, foi com o Zezinho para o seu pobre casebre, onde ele continuou a tratá-la muito bem e a partir daí, ela passou a ser conhecida por Micaela dos milagres e, passados uns meses voltaram à vida das cantigas, a cantar e a encantar, cantavam nas Vilas e Aldeias, nas herdades e nos Montes dos Lavradores de toda a região, ainda cantavam melhor do que antes do casamento e já não conseguiam ir a todos os lugares que lhe pediam.

Embora não ganhassem muito dinheiro, passados uns tempos, conseguiram comprar uma casa na Vila de Monsaraz e deixaram o velho casebre, foram nascendo filhos até três que acompanhavam os pais por todo o lado, montados na sua burra e, existia uma grande felicidade naquela família de cantantes, nunca imaginada pela Micaela que, algumas vezes pensou em acabar com a sua triste vida, quando era maltratada na casa onde nasceu. 

Mais tarde,  a Micaela aproximou-se da família, perdoou-lhe o que lhe tinham feito e auxiliou os irmãos e o pai, que sofreu muito no fim da sua vida, e foi ela que o ajudou a aliviar o seu sofrimento. 

Bem Haja Micaela


Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 


Igreja de Nossa Senhora da Lagoa




domingo, 28 de setembro de 2025

A tradição deixada em Capelins pelo espanhol de Cheles

 A tradição deixada em Capelins pelo espanhol de Cheles

Nos tempos de outrora, uma das piores famas que alguém podia apanhar nas terras de Capelins, era a de malandro, que se podia colar de várias maneiras, uma delas, era no caso de passar muito tempo deitado, fosse numa cama, num camalho, numa tarimba, ou no chão, as pessoas que sabiam disso diziam logo que, era um malandro, porque estava sempre deitado, já que, exceto os idosos e crianças, toda a gente se tinha de levantar muito cedo, ao romper da manhã.
Quem tinha o azar de apanhar a fama de malandro, já não conseguia livrar-se dela e podia ser a sua desgraça, porque era apontado por toda a gente e, nenhum lavrador o queria a trabalhar nas suas herdades, logo, se não tivesse meios próprios de subsistência, tinha de emigrar para onde não fosse conhecido.
Como o trabalho do campo era muito duro, os trabalhadores precisavam de muito descanso, e o melhor descanso para o corpo era deitado, mas os trabalhadores só no tempo das sestas se podiam deitar durante o horário de trabalho, no tempo definido para a mesma, fora disso, se tivesse o azar de ser apanhado deitado, mesmo no chão, podia ser apontado de malandro e bastava correr o boato pela Freguesia, já estava arrumado.
Essa situação mudou na Freguesia de Capelins quando um espanhol muito influente, que tinha uma herdade para cá do rio Guadiana, implementou o dito: "Pra sentáu, dêtau", ou seja, "para sentar, deitar", assim, ordenou aos seus criados para sempre que tivessem uma folga para a bucha, para o jantar (almoço) ou para a merenda, em vez de se sentarem, deviam deitar-se, estender-se no chão com a parte superior do corpo mais elevada para poderem comer e beber sem se engasgarem e o resto do corpo ficava estendido a descansar, assim, fossem os minutos que fossem, o corpo descansava, era bom para os trabalhadores que descansavam um pouco e para o espanhol, porque depois recomeçavam o trabalho com mais energia, davam mais rendimento ao lavrador, e quando algum criado se esquecia e ficava sentado, ele ou o feitor dizia-lhe: Fulano tal, "pra sentau, dêtau" e eles deitavam-se, e sendo assim, não contava para a fama de malandro, porque o fim não era deitarem-se, era sim a de comer, apenas aproveitavam a ocasião, sendo o chamado dois em um.
A moda do espanhol foi-se alargando às outras herdades e ao longo dos tempos, nas terras de Capelins, os trabalhadores do campo, e não só, sempre que tinham uma folga do trabalho, em vez de se sentarem, deitavam-se, mas antes avisavam, que era ao abrigo da lei do espanhol, "pra sentau, dêtau", por isso, não somava pontos para a fama de malandro, e toda a gente concordava.
Esta tradição era muito mencionada na Freguesia de Capelins pelos mais antigos e, quando a rapaziada lhe perguntavam se tinham conhecido esse tal espanhol e de onde é que ele era, respondiam que não tinha sido no seu tempo e nem dos seus avós, já vinha de muito atrás, e o espanhol era além de Cheles.
Assim, o espanhol de Cheles, deixou-nos a tradição do, "pra sentáu, dêtau", como diziam os mais antigos da Freguesia de Capelins.

Texto: Correia Manuel

Fotografia: Correia Manuel



domingo, 7 de setembro de 2025

História de Capelins e de Terena 1462

 História de Capelins e de Terena 1462

Os gados vindos de Castela passavam no Porto das Azenhas D'El-Rei na Vila de Ferreira, atual Freguesia de Capelins, Concelho de Terena e eram controlados por João Afonso.
Carta de nomeação de D. Afonso V a João Afonso, escudeiro de Diogo da Silveira, conselheiro régio e escrivão da Puridade, para o cargo de contador de todos gados que entram no reino vindos de Castela, pelo termo da vila de Terena.
Descrição
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Identificação
Entidade detentora
Ator
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Nível de descrição
Documento Simples
Identificadores
Código de referência
PT/TT/CHR/I/0001/155
Cota atual
Chancelaria de D. Afonso V, liv. 1, f.26
Datas
Produção
1462-05-29
1462-05-29
Criação
1462-05-29
1462-05-29
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Carta de D. Afonso V


sábado, 6 de setembro de 2025

A lenda da homenagem à oliveira milenar do olival de Pêga em Monsaraz

A lenda da homenagem à oliveira milenar do olival de Pêga em Monsaraz

No ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil trezentos e oitenta e quatro, em plena crise da sucessão ao trono do Reino de Portugal, quando D. Nuno Álvares Pereira, que era Fronteiro Mor no Além Tejo, chegou à cidade de Évora, vindo de Atoleiros, Fronteira, onde tinha travado e vencido a batalha no dia 06 de Abril de 1384, foi informado pelo rei D. João I que, o Alcaide Mor da Vila de Monsaraz D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, homem de sua confiança e nomeado por ele para esse cargo, era um traidor, porque entregou esta Praça ao rei de castela e, negava-se a devolvê-la, e pediu a D. Nuno Álvares Pereira para a reconquistar e dar uma lição ao dito Alcaide Mor, pela sua traição ao rei. 

D. Nuno Álvares Pereira chamou um escudeiro de sua confiança, o fidalgo Mem Rodrigues de Vasconcelos, que conhecia muito bem toda a região, já que, desde criança, passava temporadas na Vila de Monsaraz e nas imediações, nas herdades da família e pediu-lhe que fosse espiar e encontrar a melhor maneira da reconquista da dita Praça de Armas.

O fidalgo, partiu, imediatamente para o Monte da herdade da familia, reuniu com os primos e contou-lhes o motivo porque estava ali, e qual era a sua missão e pediu-lhes ajuda. Eles prontificaram-se a ajudar e disseram-lhe que, devido à situação geográfica do Castelo de Monsaraz, com aquela defesa natural, seria muito difícil a sua reconquista pela força das armas, teria, primeiro de passar por um cerco, porque, o Alcaide Mor D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, estava apenas com a sua companheira, Dª Mécia Portocarrero, com um pequeno Regimento, poucos besteiros e, com poucos mantimentos, mas podia suportar o cerco durante alguns meses e, entretanto podia ser auxiliado por tropas de Castela, pelo que, ou tinham de o convencer a entregar a Praça de livre vontade, mas isso já estava esgotado, ou surpreendê-lo quando abrisse a porta do castelo para a entrada ou saída dos homens da ronda diária que faziam em volta do Castelo, mas não era fácil, porque ele tinha tudo bem organizado e, falava-se por ali que, a qualquer momento podia chegar auxílio de Castela, mas a população da Vila estava toda disposta a ajudar na reconquista, não queriam ficar debaixo do domínio de Castela.

O fidalgo ficou um pouco desanimado, mas começou o seu trabalho, a observar o castelo e a tomar notas da altura e do estado das muralhas, dos lugares onde podiam atacar, e dos movimentos de entradas e saídas, registando o tempo que a porta estava aberta, medindo, mentalmente a distância de onde se podia esconder um grupo de assalto de maneira a chegar a tempo de não deixar fechar a porta e, quantos guardas estavam ao serviço por turno e quantos eram no total, porque, já estava convencido que, o assalto ao castelo tinha de ser feito pela porta principal, porque as muralhas eram imponentes, de difícil acesso e não havia tempo nem homens para fazer um cerco, cuja rendição podia demorar alguns meses.

O fidalgo cada vez se expunha mais, na tentativa de conseguir mais dados certos, até que, foi descoberto e, o Alcaide Mor mandou que fosse capturado e que o trouxessem vivo à sua presença, para o fazer falar, porque, decerto fazia espionagem para D. Nuno Álvares Pereira e precisava de saber quais os planos que ele tinha para atacar o seu castelo.

O sargento mor mandou formar um grupo de nove homens com os melhores ginetes e esconderam-se, à espera do espião para lhe deitar a mão, mas ele tinha um cavalo que só lhe faltava falar, farejava o perigo à distância e, antes de se aproximar, mostrou-se muito nervoso, negando-se a avançar, o fidalgo percebeu que tinha sido descoberto, fez rodopiar o cavalo que, correu desenfreado o mais que podia, mas como era velho, seria impossível escapar aos ginetes, no entanto, ganhou uma grande dianteira e, o fidalgo começou a pensar a maneira de escapar, sabia que, não podia ir na direção da herdade dos primos para não os comprometer e, como estava a entrar no olival da Pêga, em boa hora se lembrou que, quando passava temporadas em Monsaraz os primos lhe tinham dito que, se alguma vez precisasse de se esconder, estava ali uma oliveira milenar, alta e ôca no topo do tronco que não era fácil de ser encontrado e, por curiosidade, a tinha conhecido, pensou logo que, seria ela a sua salvação, mas tinha de despistar os perseguidores, deu algumas voltas pelo olival e seguiu para a ribeira da Pêga, mas tornou a voltar por outro lado mais afastado, encostou o cavalo à dita oliveira, saltou para uma pernada onde chegou de cima do cavalo e deu-lhe ordem para continuar a correr em frente, para despistar os seus perseguidores que, continuaram atrás do cavalo até o alcançarem a uma boa distância dali e foi quando viram que tinham sido enganados e, disseram uns para os outros que o espião ou estava escondido naquela região, ou tinha sido ajudado por outro cavaleiro e continuado noutro cavalo, mas essa hipótese depressa caiu, quando os pisteiros observaram o terreno onde não havia outras pégadas, pelo que, seguiram até ao olival da Pêga, procuraram em todas as oliveiras, apalpavam e batiam nos troncos para ver se estavam ôcos e se o espião estava lá dentro, até que, chegaram à oliveira onde ele estava escondido, observaram, bateram no tronco e concordaram que não era ôca e que ele não estava lá em cima dela e continuaram fazendo o mesmo pelas oliveiras todas, e não o encontraram.

O sargento mor corria de um lado para o outro, perguntou aos seus homens se tinham subido a todas as oliveiras e, eles confirmaram que sim, exceto a uma alta, mas tinham a certeza que naquela não estava e dirigiram-se para ela, mas o sargento mor disse-lhe que tinham de subir a todas, e também áquela, porque o espião tinha de estar por ali, mandou buscar uma corda que estava num dos cavalos para ajudar na subida à oliveira e adiantou que, se o espião lá estivesse que o tirassem com cuidado, não o podiam matar, ele depois cortava-lhe as orelhas com a espada, mas isso, não o matava, tinham de o entregar vivo ao Alcaide Mor, para ser torturado e dizer tudo o que sabia.

O fidalgo estava ouvindo a conversa e quando ouviu que lhe cortavam as orelhas e que seria torturado, sentiu um grande arrepio pelo corpo todo e teve a certeza que, ia ser descoberto, mas não podia fazer nada, já não cumpria a sua missão, ele e a família perdiam a honra e ficava sem orelhas, seria alvo de chacota de toda a gente, era o seu fim, mas não se mexeu e, naquele instante sentiu que uns braços o protegiam. 

Quando já tinha as esperanças perdidas, porque ouviu a chegada do homem da corda, de repente, ouviu-se uma grande gritaria que vinha do grupo mais afastado, chamavam o sargento mor e os que estavam com ele, que partiram a correr pensando que o tinham encontrado, esquecendo a corda e a oliveira, mas o outro grupo apenas tinham descoberto as pégadas do cavalo na direção da ribeira da Pêga, por isso, deduziram que ele devia ter-se metido pela ribeira abaixo ou pela ribeira acima e tinha mandado o cavalo sózinho para os despistar, pelo que, embora já à anoitecer, os homens foram distribuidos pela ribeira, onde tinham quase a certeza que o iam apanhar, foi a sorte do fidalgo, quando eles se afastaram desceu da oliveira e foi a correr até à herdade dos primos, onde chegou já era noite cerrada. 

O fidalgo contou aos primos o que se tinha passado e disse-lhe que, continuavam a procurá-lo, mas eles acalmaram-no, garantindo-lhe que, não o procuravam ali e, decerto já tinham regressado a Monsaraz e, só continuavam a procurá-lo de madrugada, mas já ele estaria bem longe dali. 

 O fidalgo acalmou-se, descansou um pouco e foi muito bem tratado pelos primos, porque, também não suportavam a traição de D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, ajudaram-no a preparar o relatório que tinha de apresentar a D. Nuno Álvares Pereira, com todos os pormenores bem explicados e com desenhos dos acessos ao castelo, prepararam o melhor cavalo da casa, deram-lhe instruções do caminho mais seguro, que devia seguir até Évora, levou água e comida e, com sacas de serapilheira metidas nas patas do cavalo para não deixar rasto até à Ribeira de Azevel, depois passava para as terras de Capelins, ía pelo Roncanito, e subia guiado pela ribeira até Santiago Maior, logo a Norte virava à esquerda para Montoito, seguia para Nossa Senhora de Machede e Évora.

O fidalgo chegou a Évora já havia sol, foi logo ter com D. Nuno Álvares Pereira, entregou-lhe o relatório e foi explicando tudo o que tinha escrito, expôs as suas ideias e dos seus primos de Monsaraz e, D. Nuno Álvares Pereira, decidiu partir ainda nesse dia com o fidalgo e com um grupo de homens, e pelo caminho foi recrutando mais homens com alguma experiência militar e, guiados por Mem Rodrigues de Vasconcelos, foram acampar perto do Monte dos primos, fora do alcance das vistas de Monsaraz, à noite reuniram com eles e com alguns lavradores da região, para D. Nuno Álvares Pereira ouvir as suas idéias, que passavam quase todas pelo cerco à Vila, mas ele respondia que não podia fazer um cerco, não só, porque não tinha homens, mas porque não tinha tempo, sabia que, o rei de Castela estava preparando uma invasão ao Reino de Portugal e tinha de organizar os nossos exércitos, pelo que, engendraram a ideia de levar as vacas até à porta do castelo, e deu certo, porque, enganaram o traidor que, inocentemente a abriu a D. Nuno Álvares Pereira e aos seus homens que, estavam escondidos nas casas dos montesarenses e atrás de algumas rochas.

Depois da reconquista da Praça de Monsaraz em 1384, e da batalha de Aljubarrota em 1385, onde Mem Rodrigues de Vasconcelos foi o comandante da célebre Ala dos Namorados de Évora, D. Nuno Álvares Pereira,  nomeou o dito fidalgo, Alcaide Mor de Monsaraz, com a doação de todos os rendimentos, assim como, os bens de D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, o traidor de Monsaraz, como reconhecimento dos seus bons serviços ao rei, ficando nesta Vila até à sua morte em 1415, cerca de trinta anos. 

O fidalgo D. Mem Rodrigues de Vasconcelos, já Alcaide Mor de Monsaraz, nunca esqueceu a oliveira do olival da Pêga, que lhe salvou a honra e talvez a vida, e todos os anos, mesmo quando não estava por Monsaraz, na data de vinte e dois de Abril, dia da perseguição, lá estava ele junto dela com alguns homens do Regimento, com uma pequena fanfarra, que tocava um lindo hino e faziam-lhe continência, como se de uma heroína se tratasse, dessa forma, agradecia-lhe e prestava-lhe homenagem, porque, afirmava que, era  uma oliveira com alma, tinha a certeza que, naquela tarde da perseguição, sentiu os seus braços que o protegeram. 

Assim, associamos à homenagem à ilustre oliveira milenar do olival da Pêga, em Monsaraz.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Fotografia: Isidro Pinto 




A cozedura do pão das feiticeiras de Capelins

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