domingo, 7 de setembro de 2025

História de Capelins e de Terena 1462

 História de Capelins e de Terena 1462

Os gados vindos de Castela passavam no Porto das Azenhas D'El-Rei na Vila de Ferreira, atual Freguesia de Capelins, Concelho de Terena e eram controlados por João Afonso.
Carta de nomeação de D. Afonso V a João Afonso, escudeiro de Diogo da Silveira, conselheiro régio e escrivão da Puridade, para o cargo de contador de todos gados que entram no reino vindos de Castela, pelo termo da vila de Terena.
Descrição
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Identificação
Entidade detentora
Ator
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Nível de descrição
Documento Simples
Identificadores
Código de referência
PT/TT/CHR/I/0001/155
Cota atual
Chancelaria de D. Afonso V, liv. 1, f.26
Datas
Produção
1462-05-29
1462-05-29
Criação
1462-05-29
1462-05-29
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Carta de D. Afonso V


sábado, 6 de setembro de 2025

A lenda da homenagem à oliveira milenar do olival de Pêga em Monsaraz

A lenda da homenagem à oliveira milenar do olival de Pêga em Monsaraz

No ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil trezentos e oitenta e quatro, em plena crise da sucessão ao trono do Reino de Portugal, quando D. Nuno Álvares Pereira, que era Fronteiro Mor no Além Tejo, chegou à cidade de Évora, vindo de Atoleiros, Fronteira, onde tinha travado e vencido a batalha no dia 06 de Abril de 1384, foi informado pelo rei D. João I que, o Alcaide Mor da Vila de Monsaraz D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, homem de sua confiança e nomeado por ele para esse cargo, era um traidor, porque entregou esta Praça ao rei de castela e, negava-se a devolvê-la, e pediu a D. Nuno Álvares Pereira para a reconquistar e dar uma lição ao dito Alcaide Mor, pela sua traição ao rei. 

D. Nuno Álvares Pereira chamou um escudeiro de sua confiança, o fidalgo Mem Rodrigues de Vasconcelos, que conhecia muito bem toda a região, já que, desde criança, passava temporadas na Vila de Monsaraz e nas imediações, nas herdades da família e pediu-lhe que fosse espiar e encontrar a melhor maneira da reconquista da dita Praça de Armas.

O fidalgo, partiu, imediatamente para o Monte da herdade da familia, reuniu com os primos e contou-lhes o motivo porque estava ali, e qual era a sua missão e pediu-lhes ajuda. Eles prontificaram-se a ajudar e disseram-lhe que, devido à situação geográfica do Castelo de Monsaraz, com aquela defesa natural, seria muito difícil a sua reconquista pela força das armas, teria, primeiro de passar por um cerco, porque, o Alcaide Mor D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, estava apenas com a sua companheira, Dª Mécia Portocarrero, com um pequeno Regimento, poucos besteiros e, com poucos mantimentos, mas podia suportar o cerco durante alguns meses e, entretanto podia ser auxiliado por tropas de Castela, pelo que, ou tinham de o convencer a entregar a Praça de livre vontade, mas isso já estava esgotado, ou surpreendê-lo quando abrisse a porta do castelo para a entrada ou saída dos homens da ronda diária que faziam em volta do Castelo, mas não era fácil, porque ele tinha tudo bem organizado e, falava-se por ali que, a qualquer momento podia chegar auxílio de Castela, mas a população da Vila estava toda disposta a ajudar na reconquista, não queriam ficar debaixo do domínio de Castela.

O fidalgo ficou um pouco desanimado, mas começou o seu trabalho, a observar o castelo e a tomar notas da altura e do estado das muralhas, dos lugares onde podiam atacar, e dos movimentos de entradas e saídas, registando o tempo que a porta estava aberta, medindo, mentalmente a distância de onde se podia esconder um grupo de assalto de maneira a chegar a tempo de não deixar fechar a porta e, quantos guardas estavam ao serviço por turno e quantos eram no total, porque, já estava convencido que, o assalto ao castelo tinha de ser feito pela porta principal, porque as muralhas eram imponentes, de difícil acesso e não havia tempo nem homens para fazer um cerco, cuja rendição podia demorar alguns meses.

O fidalgo cada vez se expunha mais, na tentativa de conseguir mais dados certos, até que, foi descoberto e, o Alcaide Mor mandou que fosse capturado e que o trouxessem vivo à sua presença, para o fazer falar, porque, decerto fazia espionagem para D. Nuno Álvares Pereira e precisava de saber quais os planos que ele tinha para atacar o seu castelo.

O sargento mor mandou formar um grupo de nove homens com os melhores ginetes e esconderam-se, à espera do espião para lhe deitar a mão, mas ele tinha um cavalo que só lhe faltava falar, farejava o perigo à distância e, antes de se aproximar, mostrou-se muito nervoso, negando-se a avançar, o fidalgo percebeu que tinha sido descoberto, fez rodopiar o cavalo que, correu desenfreado o mais que podia, mas como era velho, seria impossível escapar aos ginetes, no entanto, ganhou uma grande dianteira e, o fidalgo começou a pensar a maneira de escapar, sabia que, não podia ir na direção da herdade dos primos para não os comprometer e, como estava a entrar no olival da Pêga, em boa hora se lembrou que, quando passava temporadas em Monsaraz os primos lhe tinham dito que, se alguma vez precisasse de se esconder, estava ali uma oliveira milenar, alta e ôca no topo do tronco que não era fácil de ser encontrado e, por curiosidade, a tinha conhecido, pensou logo que, seria ela a sua salvação, mas tinha de despistar os perseguidores, deu algumas voltas pelo olival e seguiu para a ribeira da Pêga, mas tornou a voltar por outro lado mais afastado, encostou o cavalo à dita oliveira, saltou para uma pernada onde chegou de cima do cavalo e deu-lhe ordem para continuar a correr em frente, para despistar os seus perseguidores que, continuaram atrás do cavalo até o alcançarem a uma boa distância dali e foi quando viram que tinham sido enganados e, disseram uns para os outros que o espião ou estava escondido naquela região, ou tinha sido ajudado por outro cavaleiro e continuado noutro cavalo, mas essa hipótese depressa caiu, quando os pisteiros observaram o terreno onde não havia outras pégadas, pelo que, seguiram até ao olival da Pêga, procuraram em todas as oliveiras, apalpavam e batiam nos troncos para ver se estavam ôcos e se o espião estava lá dentro, até que, chegaram à oliveira onde ele estava escondido, observaram, bateram no tronco e concordaram que não era ôca e que ele não estava lá em cima dela e continuaram fazendo o mesmo pelas oliveiras todas, e não o encontraram.

O sargento mor corria de um lado para o outro, perguntou aos seus homens se tinham subido a todas as oliveiras e, eles confirmaram que sim, exceto a uma alta, mas tinham a certeza que naquela não estava e dirigiram-se para ela, mas o sargento mor disse-lhe que tinham de subir a todas, e também áquela, porque o espião tinha de estar por ali, mandou buscar uma corda que estava num dos cavalos para ajudar na subida à oliveira e adiantou que, se o espião lá estivesse que o tirassem com cuidado, não o podiam matar, ele depois cortava-lhe as orelhas com a espada, mas isso, não o matava, tinham de o entregar vivo ao Alcaide Mor, para ser torturado e dizer tudo o que sabia.

O fidalgo estava ouvindo a conversa e quando ouviu que lhe cortavam as orelhas e que seria torturado, sentiu um grande arrepio pelo corpo todo e teve a certeza que, ia ser descoberto, mas não podia fazer nada, já não cumpria a sua missão, ele e a família perdiam a honra e ficava sem orelhas, seria alvo de chacota de toda a gente, era o seu fim, mas não se mexeu e, naquele instante sentiu que uns braços o protegiam. 

Quando já tinha as esperanças perdidas, porque ouviu a chegada do homem da corda, de repente, ouviu-se uma grande gritaria que vinha do grupo mais afastado, chamavam o sargento mor e os que estavam com ele, que partiram a correr pensando que o tinham encontrado, esquecendo a corda e a oliveira, mas o outro grupo apenas tinham descoberto as pégadas do cavalo na direção da ribeira da Pêga, por isso, deduziram que ele devia ter-se metido pela ribeira abaixo ou pela ribeira acima e tinha mandado o cavalo sózinho para os despistar, pelo que, embora já à anoitecer, os homens foram distribuidos pela ribeira, onde tinham quase a certeza que o iam apanhar, foi a sorte do fidalgo, quando eles se afastaram desceu da oliveira e foi a correr até à herdade dos primos, onde chegou já era noite cerrada. 

O fidalgo contou aos primos o que se tinha passado e disse-lhe que, continuavam a procurá-lo, mas eles acalmaram-no, garantindo-lhe que, não o procuravam ali e, decerto já tinham regressado a Monsaraz e, só continuavam a procurá-lo de madrugada, mas já ele estaria bem longe dali. 

 O fidalgo acalmou-se, descansou um pouco e foi muito bem tratado pelos primos, porque, também não suportavam a traição de D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, ajudaram-no a preparar o relatório que tinha de apresentar a D. Nuno Álvares Pereira, com todos os pormenores bem explicados e com desenhos dos acessos ao castelo, prepararam o melhor cavalo da casa, deram-lhe instruções do caminho mais seguro, que devia seguir até Évora, levou água e comida e, com sacas de serapilheira metidas nas patas do cavalo para não deixar rasto até à Ribeira de Azevel, depois passava para as terras de Capelins, ía pelo Roncanito, e subia guiado pela ribeira até Santiago Maior, logo a Norte virava à esquerda para Montoito, seguia para Nossa Senhora de Machede e Évora.

O fidalgo chegou a Évora já havia sol, foi logo ter com D. Nuno Álvares Pereira, entregou-lhe o relatório e foi explicando tudo o que tinha escrito, expôs as suas ideias e dos seus primos de Monsaraz e, D. Nuno Álvares Pereira, decidiu partir ainda nesse dia com o fidalgo e com um grupo de homens, e pelo caminho foi recrutando mais homens com alguma experiência militar e, guiados por Mem Rodrigues de Vasconcelos, foram acampar perto do Monte dos primos, fora do alcance das vistas de Monsaraz, à noite reuniram com eles e com alguns lavradores da região, para D. Nuno Álvares Pereira ouvir as suas idéias, que passavam quase todas pelo cerco à Vila, mas ele respondia que não podia fazer um cerco, não só, porque não tinha homens, mas porque não tinha tempo, sabia que, o rei de Castela estava preparando uma invasão ao Reino de Portugal e tinha de organizar os nossos exércitos, pelo que, engendraram a ideia de levar as vacas até à porta do castelo, e deu certo, porque, enganaram o traidor que, inocentemente a abriu a D. Nuno Álvares Pereira e aos seus homens que, estavam escondidos nas casas dos montesarenses e atrás de algumas rochas.

Depois da reconquista da Praça de Monsaraz em 1384, e da batalha de Aljubarrota em 1385, onde Mem Rodrigues de Vasconcelos foi o comandante da célebre Ala dos Namorados de Évora, D. Nuno Álvares Pereira,  nomeou o dito fidalgo, Alcaide Mor de Monsaraz, com a doação de todos os rendimentos, assim como, os bens de D. Gonçalo Rodrigues de Sousa, o traidor de Monsaraz, como reconhecimento dos seus bons serviços ao rei, ficando nesta Vila até à sua morte em 1415, cerca de trinta anos. 

O fidalgo D. Mem Rodrigues de Vasconcelos, já Alcaide Mor de Monsaraz, nunca esqueceu a oliveira do olival da Pêga, que lhe salvou a honra e talvez a vida, e todos os anos, mesmo quando não estava por Monsaraz, na data de vinte e dois de Abril, dia da perseguição, lá estava ele junto dela com alguns homens do Regimento, com uma pequena fanfarra, que tocava um lindo hino e faziam-lhe continência, como se de uma heroína se tratasse, dessa forma, agradecia-lhe e prestava-lhe homenagem, porque, afirmava que, era  uma oliveira com alma, tinha a certeza que, naquela tarde da perseguição, sentiu os seus braços que o protegeram. 

Assim, associamos à homenagem à ilustre oliveira milenar do olival da Pêga, em Monsaraz.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Fotografia: Isidro Pinto 




quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A lenda do Manel da boina de Monsaraz

 A lenda do Manel da boina de Monsaraz  

O Manel António, nasceu no início do terceiro decénio da centúria de 1900, na localidade de Ferragudo, paredes meias com o Convento da Orada, junto à Aldeia do Telheiro na base do Monte em que se ergue a Vila Medieval de Monsaraz. 

O seu pai era seareiro, tinha uma parelha de muares que lhe permitia cultivar algumas courelas suas e outras tomadas ao terço ou ao quarto, ou seja, os cereais que colhia eram dividios entre ele e os donos das courelas naquela proporção e, também tinham algum gado, porcos, ovelhas, cabras, além de patos, galinhas, perús e outros, por isso, o Manel aprendeu muito cedo, todos os trabalhos inerentes à agro pecuária e quando fez a quarta classe, recusou-se a continuar os estudos e continuou a trabalhar com o pai, porém, mais tarde, para ter dinheiro seu, começou a trabalhar nas herdades de Monsaraz. 

O Manel da Boina, ganhou este apelido, porque, quando começou a andar em pé, já usava boina, talvez por isso, demonstrava grande paixão pelas mesmas e, enquanto os outros rapazes do Ferragudo tinham duas ou três, os que tinham, o Manel já tinha mais de uma dúzia e, sempre que podia, lá estava nas feiras de Reguengos com o pai ou com o avô a comprar mais uma ou duas boinas e, se o deixassem, passava horas e horas nas barracas embasbacado a mirá-las uma a uma, com vontade de as levar todas.

O Manel da Boina começou a frequentar os bailes no Ferragudo e nos arredores e, foi num baile na Vila de Monsaraz que se perdeu de amores por uma rapariga que morava no Arrabalde, chamada Maria Bia, começaram a namorar e toda a gente dizia que eram feitos um para o outro, passados cerca de dois anos marcaram o casamento que se realizou na Igreja de Nossa Senhora da Lagoa e, o noivo Manel não dispensou a boina à sua indumentária. 

Os noivos depois de casados, ficaram a morar numas casas que o pai da Maria Bia tinha herdado de um tio sem filhos, ao lado das dele e, devido ao casamento o Manel subiu do Ferragudo para o Arrabalde e alguns rapazes amigos, na brincadeira, diziam-lhe: - É Manel, foi grande subida na tua vida, cá de baixo, lá para cima! E ele muito orgulhoso respondia: - De verdade foi, subi muito na vida e arranjei uma rica rapariga lá em cima! E parece que arranjou! 

O Manel, levou um bom enxoval, mas além dos móveis, roupas e utensílios normais, também levou com ele uma grande catrefada de boinas que, deram muito que fazer à Maria Bia para as organizar, porque não podiam ser misturadas, senão quando ele queria uma de inverno, com orelhas, aparecia uma de verão e vice versa e nunca mais encontrava a que ele precisava para a respetiva ocasião, por isso, a mulher fez a separação por estações do ano e por cores, mesmo assim, quando ele queria uma boina de uma, ou de outra cor, havia sempre grande confusão, virava tudo das avessas e lá estava a Maria Bia para as organizar. 

Como o número de boinas continuava a aumentar, a Maria Bia já não dava conta delas, havia boinas em cima de cadeiras, de mesas, do armário, do guarda louças, em todo o lado, então, ela decidiu tirar as roupas de uma arca de madeira e disponibilizá-la para arrumar as boinas e a arca ficou cheia.

Quando o Manel ia às feiras de Reguengos com outros montesarenses, o primeiro destino dos homens era a feira do gado, mesmo que fosse só para ver o gado e assistir aos negócios de compra e venda, mas o Manel dizia-lhe que já lá ia ter e corria para as barracas das boinas para escolher as que ele achava melhores e mais bonitas e enquanto não comprasse duas ou três a gosto, não ligava a mais nada na feira.

Como o Manel gostava de beber uns copinhos de vinho ou de aguardente, porque eram dos poucos prazeres dessa época, quando tinha tempo livre e, principalmente aos Domingos, dava a volta às tabernas de Monsaraz, ia sempre de boina na cabeça, escolhida a preceito, porque não conseguia sair de casa sem ela, era uma muleta, mas no regresso poucas vezes voltava com ela, quando entrava nas tabernas, em sinal de respeito aos donos e aos outros fregueses que lá estavam, tirava a boina e guardava-a debaixo do braço, mas assim que bebia uns copinhos já não queria saber dela e pendurava-a num cabide se houvesse, ou atirava-a para cima de um banco ou de uma grade das cervejas, das laranjadas ou gasosas e quando abalava, não se lembrava dela e lá ficava, depois como passava por outras tabernas nunca sabia em qual delas tinha ficado, mas como tinha tantas na arca, não se preocupava, havia de aparecer, mas muitas vezes ficava debaixo ou caída atrás das grades das bebidas, ou outros homens a levavam por engano pensando ser a sua e, era menos uma, chegou a uma altura em que na Vila de Monsaraz havia boinas do Manel em todo o lado, as que não ficavam nas tabernas, ficavam caídas pelo caminho do Arrabalde, assim, a quantidade de boinas na arca começou a ficar equilibrada entre as que ele comprava, as que se estragavam com o uso e as que perdia por Monsaraz e arredores, assim, já cabiam todas dentro da respetiva arca das boinas. 

O Manel comprava muitas boinas, mas não perdia menos, e nem Lisboa se viu livre das suas boinas, quando foi numa excursão, escolheu a boina melhor e mais bonita que tinha na arca, aquela era só para ocasiões especiais, como a procissão de Nosso Senhor Jesus dos Passos, por lá andou e, qando voltou a Monsaraz já vinha em cabelo, porque, por esquecimento, deixou-a no banco de um elétrico, ainda se fartou de correr atrás, mas com medo de se perder desistiu e ficou com menos uma boina, mas ainda nesse mês foi à feira de Reguengos e comprou outra, mesmo igual, que guardou na dita arca. 

A paixão do Manel por boinas, era tão grande que, quando foi prestar contas a Deus, dizem que, se apresentou ao São Pedro de boina, por ser esse o seu último desejo. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 



A lenda da parreira da rua do castelo em Monsaraz

 A lenda da parreira da rua do castelo em Monsaraz 

Após a morte de D. Fernando II, duque de Viseu, no castelo de Palmela às mãos do seu cunhado, o rei D. João II, D. Diogo de Azambuja foi nomeado Alcaide Mor de Monsaraz e, recebeu outros privilégios, devido a ter assistido a esse ato, ou por nele ter participado, segundo escrevem alguns autores. 

D. Diogo de Azambuja era casado com Dona Leonor Botelho e com ela e os três filhos, o António, a Cecília e a Catarina, foram residir para o castelo de Monsaraz, cerca do ano de 1484/85. 

António de Azambuja, nasceu em Cabeço de Vide, entre 1470/80 e, era neto do Alcaide Mor de Castelo de Vide, onde D. Diogo de Azambuja residiu até partir para as campanhas em África, sendo a mais famosa a da construção do Forte de S. Jorge da Mina no Golfo da Guiné, entre 1481/82, mas como foi antes referido em 1485 já residiam na Vila de Monsaraz, onde o António de Azambuja foi crescendo e, mesmo depois de sair para Évora, lá voltava e ficava grandes temporadas.

A famosa Vila de Monsaraz de então, estava longe da Corte e dos grandes centros, mas tinha as suas diversões para a fidalguia, senhores e lavradores da região, entre as quais a da caça, e quando um dia cerca do ano de 1500 o António caçava com um grupo de amigos deu de caras com uma linda rapariga que guardava cabras nas margens do rio Guadiana, encontrando nela uma atração imediata, desceu do cavalo, mandou que os amigos continuassem e começou a falar com ela, apresentou-se e depois de algumas perguntas, ela respondeu-lhe que se chamava Francisca, tinha acabado de fazer dezoito anos, era de Monsaraz, mas tinha um casebre ali junto ao rio Guadiana onde estava quase sempre com as suas cabras, a conversa continuou e nem deram pelo passar das horas e, quando o António se apercebeu que já era tarde, despediu-se à pressa e partiu para Monsaraz, levando a Francisca no seu coração. 

Nessa noite, o António teve dificuldade em adormecer,  a pensar na Francisca, que era muito diferente das raparigas que conhecia e, logo de manhã mandou preparar o seu  cavalo e desceu até ao rio Guadiana a procurar a Francisca, não sendo difícil encontrá-la quase no mesmo sítio do dia anterior e ela assim que o viu sorriu de felicidade, porque também tinha passado pelo mesmo, até tinha sonhado com ele, cumprimentaram-se e continuaram a conversa, foram falando e quando deram por isso já estavam envolvidos, nascendo dali uma grande paixão. 

A partir daquele dia, o António começou a descer a ladeira, diariamente até ao rio Guadiana, para se encontrar com a Francisca, mas como já toda a gente sabia do seu envolvimento, depressa chegou aos ouvidos de D. Diogo de Azambuja que, mandou preparar o António e no dia seguinte já estava a caminho de Évora, onde tinham um palacete, ficando bem longe da Francisca cabreira. 

Como o António deixou de aparecer, a Francisca teve grande desgosto e quando o procurou em Monsaraz, disseram-lhe que o pai ao saber o que se passava entre eles o tinha levado para Évora e proibido de voltar a Monsaraz, ainda passou pela cabeça da Francisca ir procurá-lo a Évora, mas foi aconselhada a desistir dessa ideia, porque o seu amor era impossível. 

Os meses foram passando até que a Francisca descobriu que esperava um filho do António, primeiro ficou desesperada, mas depois de muito pensar acalmou-se, na esperança do António um dia aparecer e reconhecer o filho, mas o tempo passava e o António não voltava e quando já não conseguia acompanhar as suas cabras entregou-as a um primo e foi para uma pequena casa que tinha na rua do castelo na Vila de Monsaraz e quando chegou a hora nasceu um lindo menino a quem foi dado o nome de António, como o do pai. 

A Francisca ficou com o filho na sua casa em Monsaraz e, um dia D. Diogo de Azambuja ia passando à sua porta com um dos seus escudeiros que lhe apontou a casa onde morava o seu neto e acrescentou que ficava bem reconhecê-lo e educá-lo no castelo, mas D. Diogo de Azambuja mostrou-se muito zangado e respondeu-lhe que seria mais fácil nascer uma parreira em cima daquelas rochas, que existiam à porta da Francisca, do que ele alguma vez reconhecer aquele bastardo como seu neto, e a conversa ficou por ali. 

D. Diogo de Azambuja nunca reconheceu o neto, mas a parreira nasceu naquelas rochas, no lugar a que ele se tinha referido e começou a crescer de dia para dia e quando lhe contaram o sucedido, não queria acreditar e mando-a arrancar bem pela raiz, para nunca mais voltar a nascer, mas a parreira nascia novamente e crescia a par da criança e, enquanto D. Diogo de Azambuja esteve em Monsaraz, a parreira nascia e era arrancada e tornava a nascer. 

Quando, muito mais tarde a rua do castelo foi empedrada arrancaram a parreira bem no fundo e, pensaram que dessa vez nunca mais nascia, mas passados muito anos, a parreira conseguiu vencer as pedras enroncadas e passou-lhe para cima e, ainda hoje lá se encontra a marcar o lugar do nascimento do fruto de um grande amor impossível, e a oferecer a sua sombra a quem dela precisar. 

Quanto ao António, filho da Francisca, nunca conheceu o pai, que não sabia da sua existência, mas não lhe faltou o amor da mãe pelos dois e, foi um dos homens bons da Vila de Monsaraz, à qual, dedicou a sua vida.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto

A lenda da parreira da rua do castelo em Monsaraz 

Após a morte de D. Fernando II, duque de Viseu, no castelo de Palmela às mãos do seu cunhado, o rei D. João II, D. Diogo de Azambuja foi nomeado Alcaide Mor de Monsaraz e, recebeu outros privilégios, devido a ter assistido a esse ato, ou por nele ter participado, segundo escrevem alguns autores. 

D. Diogo de Azambuja era casado com Dona Leonor Botelho e com ela e os três filhos, o António, a Cecília e a Catarina, foram residir para o castelo de Monsaraz, cerca do ano de 1484/85. 

António de Azambuja, nasceu em Cabeço de Vide, entre 1470/80 e, era neto do Alcaide Mor de Castelo de Vide, onde D. Diogo de Azambuja residiu até partir para as campanhas em África, sendo a mais famosa a da construção do Forte de S. Jorge da Mina no Golfo da Guiné, entre 1481/82, mas como foi antes referido em 1485 já residiam na Vila de Monsaraz, onde o António de Azambuja foi crescendo e, mesmo depois de sair para Évora, lá voltava e ficava grandes temporadas.

A famosa Vila de Monsaraz de então, estava longe da Corte e dos grandes centros, mas tinha as suas diversões para a fidalguia, senhores e lavradores da região, entre as quais a da caça, e quando um dia cerca do ano de 1500 o António caçava com um grupo de amigos deu de caras com uma linda rapariga que guardava cabras nas margens do rio Guadiana, encontrando nela uma atração imediata, desceu do cavalo, mandou que os amigos continuassem e começou a falar com ela, apresentou-se e depois de algumas perguntas, ela respondeu-lhe que se chamava Francisca, tinha acabado de fazer dezoito anos, era de Monsaraz, mas tinha um casebre ali junto ao rio Guadiana onde estava quase sempre com as suas cabras, a conversa continuou e nem deram pelo passar das horas e, quando o António se apercebeu que já era tarde, despediu-se à pressa e partiu para Monsaraz, levando a Francisca no seu coração. 

Nessa noite, o António teve dificuldade em adormecer,  a pensar na Francisca, que era muito diferente das raparigas que conhecia e, logo de manhã mandou preparar o seu  cavalo e desceu até ao rio Guadiana a procurar a Francisca, não sendo difícil encontrá-la quase no mesmo sítio do dia anterior e ela assim que o viu sorriu de felicidade, porque também tinha passado pelo mesmo, até tinha sonhado com ele, cumprimentaram-se e continuaram a conversa, foram falando e quando deram por isso já estavam envolvidos, nascendo dali uma grande paixão. 

A partir daquele dia, o António começou a descer a ladeira, diáriamente até ao rio Guadiana, para se encontrar com a Francisca, mas como já toda a gente sabia do seu envolvimento, depressa chegou aos ouvidos de D. Diogo de Azambuja que, mandou preparar o António e no dia seguinte já estava a caminho de Évora, onde tinham um palacete, ficando bem longe da Francisca cabreira. 

Como o António deixou de aparecer, a Francisca teve grande desgosto e quando o procurou em Monsarz, disseram-lhe que o pai ao saber o que se passava entre eles o tinha levado para Évora e proibido de voltar a Monsaraz, ainda passou pela cabeça da Francisca ir procurá-lo a Évora, mas foi aconselhada a desistir dessa ideia, porque o seu amor era impossível. 

Os meses foram passando até que a Francisca descobriu que esperava um filho do António, primeiro ficou desesperada, mas depois de muito pensar acalmou-se, na esperança do António um dia aparecer e reconhecer o filho, mas o tempo passava e o António não voltava e quando já não conseguia acompanhar as suas cabras entregou-as a um primo e foi para uma pequena casa que tinha na rua do castelo na Vila de Monsaraz e quando chegou a hora nasceu um lindo menino a quem foi dado o nome de António, como o do pai. 

A Francisca ficou com o filho na sua casa em Monsaraz e, um dia D. Diogo de Azambuja ia passando à sua porta com um dos seus escudeiros que lhe apontou a casa onde morava o seu neto e acrecentou que ficava bem reconhecê-lo e educá-lo no castelo, mas D. Diogo de Azambuja mostrou-se muito zangado e respondeu-lhe que seria mais fácil nascer uma parreira em cima daquelas rochas, que existiam à porta da Francisca, do que ele alguma vez reconhecer aquele bastardo como seu neto, e a conversa ficou por ali. 

D. Diogo de Azambuja nunca reconheceu o neto, mas a parreira nasceu naquelas rochas, no lugar a que ele se tinha referido e começou a crescer de dia para dia e quando lhe contaram o sucedido, não queria acreditar e mando-a arrancar bem pela raíz, para nunca mais voltar a nascer, mas a parreira nascia novamente e crescia a par da criança e, enquanto D. Diogo de Azambuja esteve em Monsaraz, a parreira nascia e era arrancada e tornava a nascer. 

Quando, muito mais tarde a rua do castelo foi empedrada arrancaram a parreira bem no fundo e, pensaram que dessa vez nunca mais nascia, mas passados muito anos, a parreira conseguiu vencer as pedras enroncadas e passou-lhe para cima e, ainda hoje lá se encontra a marcar o lugar do nascimento do fruto de um grande amor impossível, e a oferecer a sua sombra a quem dela precisar. 

Quanto ao António, filho da Francisca, nunca conheceu o pai, que não sabia da sua existência, mas não lhe faltou o amor da mãe pelos dois e, foi um dos homens bons da Vila de Monsaraz, à qual, dedicou a sua vida.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 



A lenda do papa figos e da malhadinha de Monsaraz

 A lenda do papa figos e da malhadinha de Monsaraz

O ti José Pereira, natural da Freguesia de São Tiago de Monsaraz e residente no Lugar do Ferragudo, junto ao Convento da Orada, na Aldeia do Telheiro, era casado com a ti Vitória Rosa e pai de cinco filhos, nos anos de 1850 era seareiro e todos os dias ía de madrugada no seu carro puxado pela mula russa para as suas courelas onde tinha um cabanão e sempre muito trabalho, a tratar das terras, das searas, dos animais e do arvoredo, oliveiras, figueiras, pereiras e outras. 

Um dia quando o ti Pereira, como era conhecido, andava na sua labuta chegou junto dele um curandeiro de animais, tipo veterinário, que era da Aldeia de Reguengos, o qual, tinha a alcunha de "Bom Dia", e andava de terra em terra, de herdade em herdade, nesta região a tratar animais doentes com as suas mézinhas caseiras, e cumprimentou o ti Pereira: 

Bom dia: Bom dia ti Pereira! Como vai essa saúde? 

Ti Pereira: Bom dia! Bom dia! Vai tudo bem! 

Bom dia: Atão não precisa nada de mim?

Ti Pereira: Não preciso! Tenho os animais todos cheios de saúde! Mas tenho andado a pensar em arranjar um cãozinho, sempre é uma boa companhia e guarda-me aqui os animais! Vê lá se me arranjas um!

Bom dia: Pois olhe, ti Pereira, está com sorte, trago ali três no cesto, qual deles o mais bonito! 

O ti Pereira foi logo ver os cãozinhos e entraram em negociação com o que ele mais gostava e fecharam o negócio  por um litro de grãos e mais um punhadinho, em troca do cão, era tudo lucro para o Bom Dia, já que tinham sido dados e os grãos davam para algumas sopas, ou cozidos. 

Depois do Bom Dia partir à sua vida, o ti Pereira dirigiu-se a uma, das duas cabras que tinha, tirou-lhe uma pinga de leite e, com uma colher e muita paciência foi ensinando o cãozinho a beber o leite, o qual, já estava com fome e facilmente começou a beber, pouco depois, já se encontrava com mais força, a tentar seguir os passos do ti Pereira.

À noite o ti Pereira levou o cãozinho para casa no Ferragudo e quando o mostrou aos filhos deu-lhes uma grande alegria e não demoraram em o batizar, o problema foi que, nenhum concordava com o nome que cada um lhe queria dar e o animal foi crescendo com vários nomes e com muito carinho de todos, que andavam sempre a brincar com ele.

Passados alguns meses, o cão já estava grande e o ti Pereira disse aos filhos que o cão era para guardar o cabanão e os animias lá nas courelas, por isso, a partir do dia seguinte ia ficar lá e a rapaziada podiam ir lá passar o dia e a brincar com ele, os filhos ficaram muito tristes, mas como podiam vê-lo todos os dias e brincar com ele, era um mal menor. 

O ti Pereira levou o cão para o cabanão nas courelas e teve de o prender lá uns tempos para o acostumar ao lugar, senão ia atrás dele para o Ferragudo, e depois de um período difícil de adaptação  ao sítio, já o podia soltar e andava atrás dele e dos animias pelas courelas.

Um dia o ti Pereira andava a apanhar uns figos já passados e o cão andava atrás dele e começou a comer os figos que estavam no chão por baixo das figueiras, e quando ele se apercebeu exclamou: Olha o "papa figos" e achou que era um bom nome para dar ao cão e à noite contou aos filhos o que tinha acontecido, o cão era um "papa figos" por isso, o melhor nome para ele era o "papa figos" e como os filhos acharam graça a partir desse dia assim foi. 

No dia seguinte uma das duas cabras do ti Pereira deu à luz dois lindos cabritos e o "papa figos" assistiu ao seu nascimento e quando nasceu o segundo que era uma cabritinha, um pouco confusa, o seu primeiro contacto em vez de ser com a mãe foi com o "papa figos", criando a partir daquele momento um amor para a vida entre eles. 

A cabritinha era malhada, ficando com o nome de "malhadinha",  era uma cópia das malhas do papa figos, pareciam irmãos, dando origem a muitos comentários irónicos entre os vizinhos que diziam serem ambos filhos do mesmo pai, uma situação que levava muitas pessoas a ir ver aquele fenómeno, era uma coincidência, mas uma coisa nunca vista, assim como, o amor entre os dois animais, que cresciam juntos e viviam um para o outro. 

Um dia, apareceu um negociante de Reguengos que comprava por ali o gado e o ti Pereira negociou com ele a venda dos cabritos, entrando a malhadinha no negócio, e lá seguiram, deixando o "papa figos" confuso, com o que estava a acontecer.

Passadas poucas horas já o "papa figos" andava a correr pelas courelas, a ladrar, a uivar a ganir, parecia doido, a procurar a malhadinha por todos os lados e o ti Pereira não conseguia acalmá-lo, à noite teve de o prender, mas na manhã seguinte continuava igual e deixou de comer e de beber. 

O "papa figos" passados uns dias, sem comer nem beber, sempre muito triste, começou a ficar debilitado e o ti Pereira já andava preocupado, tinha a certeza que a causa era a falta que ele sentia da malhadinha, mas não podia fazia nada, já estava vendida, depois à noite contou lá em casa o que se estava a passar, e disse aos filhos que o mais certo era ficarem sem o "papa figos", porque não ia durar muito mais tempo sem comer nem beber e a situação desencadeou um grande desgosto e choro, perderam o apetite e ninguém quis cear e insistiram com o pai para ir comprar a malhadinha.

O ti Pereira disse aos filhos e à mulher à ti Vitória, que não era caso para tanto, mas ainda piorou a situação, então ele disse-lhe que tinha de ir a Reguengos comprar adubo para o trigo, assim ia já no dia seguinte, e falava com o negociante a ver se ainda lá tinha a malhadinha e se por acaso ele ainda a tivesse que a comprava e a trazia de volta para ficarem com ela para cabra, mas era muito incerto, porque decerto que ele já a tinha vendido, no entanto, acalmou um pouco a rapaziada.

O ti Pereira foi ter com o negociante, com um pé atrás e outro à frente, como quem não queria nada dele, não fosse ele abusar do preço e perguntou-lhe se ainda tinha a cabritinha malhada, e o negociante disse-lhe que sim, porque ninguém a comprava, estava muito doente, em pele e osso, nunca mais tinha comido nem bebido, não parava de berrar de dia e noite, estava todos os dias à espera que ela morresse para a mandar enterrar.

O ti Pereira ainda hesitou em continuar com o negócio, mas o negociante disse-lhe que, se quisesse, podia levá-la, porque lhe poupava trabalho, já lhe tinham feito tudo e não melhorava, e depois de pensar que a malhadinha ainda se podia salvar, aceitou levá-la sem pagar nada por ela.

Quando o ti Pereira chegou à courela com a malhadinha os dois animais que já não tinham forças para se pôr em pé, arrastaram-se ao encontro um do outro e envolveram-se a esfregar-se e a emitir sons de contentamento e, daí a pouco, começaram por beber água e depois a comer qualquer coisa, o suficiente para com o tempo irem recuperando a saúde e recuperaram, ficando juntos até ao fim das suas vidas, na companhia do ti Pereira e da sua família. 

A Família Pereira, ainda hoje andam pelo Ferragudo e por Monsaraz, mas já não seguem o caminho do ti José Pereira, no carro da mula para as courelas. 

Bem hajam 

Fim 

Agosto de 2025

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto 



segunda-feira, 21 de julho de 2025

A lenda dos Jornaleiros de Capelins

 A lenda dos Jornaleiros de Capelins

Os jornaleiros de Capelins eram os trabalhadores rurais menos qualificados, os mais simples, ou menos habilitados em termos profissionais, eram generalistas, não tinham uma especialidade que lhes permitisse ser admitidos, permanentemente numa herdade, eram o último degrau da escala dos trabalhadores rurais, no entanto, faziam quase todos os trabalhos, desde as lavouras chamado alqueive, a colheita de azeitona, a limpeza de azinheiras, oliveiras e outro arvoredo, arranjavam as lenhas, faziam as ceifas, carregavam os cereais para as eiras, faziam a debulha desses cereais, arrumavam as palhas para os gados em almiaras, preparavam as terras e faziam as sementeiras dos cereais, abriam covas para plantar oliveiras, limpavam linhas de água nas herdades e outros serviços que, empregavam muitos jornaleiros e que eram sempre os mais mal pagos, podendo receber apenas uma parte do seu salário, sendo descontado o valor da comida fornecida pelo lavrador, nesse caso, andavam a "de comer", estes trabalhadores eram temporários, trabalhavam ao dia e ganhavam a sua jorna diária, e podiam ser despedidos no fim da semana ou em qualquer dia desta, por ter terminado o trabalho ou por o lavrador ou o feitor não querer que ele continuasse a trabalhar, e se a chuva ou outro motivo o impedisse de trabalhar, não ganhavam nada.
Na Freguesia de Capelins, todas as pessoas que trabalhavam nas herdades, para os lavradores, eram chamados de "criados", embora, fossem ajudas de gado, escamel, cozinheiro, escrivão, ganadeiro, moiral de parelhas, carreiro, ganhão, feitor, jornaleiro ou outros.
Nos Registos Paroquiais de Santo António de Capelins, onde os Párocos Registavam os nascimentos, os casamentos e os óbitos desde 1633, pouco se encontra a profissão de criado e, quando surge, refere-se a criados de servir nos Montes das herdades, as profissões que mais encontramos são as de "jornaleiro" e de "ganadeiro", mas a profissão de "jornaleiro" já aparece referida nos Forais, pelo menos, nos Manuelinos do início da centúria de 1500.
Até ao último decénio de 1600 a Freguesia de Capelins tinha catorze herdades, além dos Baldios do Peral e do Roncanito, chamadas: Navais, Cabeça de Sina, estas duas ficavam fora da Vila de Ferreira, lá dentro eram: Defesa de Ferreira, Seixo, Monte da Vinha, Azinhal Redondo de Cima, Azinhal Redondo de Baixo, Defesa de Bobadela, Galvoeira, Zorra, Talaveira, Carrão, Roncão, e Amadoreira, depois do ano de 1698 passaram a ser o dobro, porque cada uma, foi repartida em pelo menos duas e em algumas courelas, excepto as herdades da Defesa de Ferreira e de Bobadela, que foram doadas à Casa do Infantado.
Estas herdades, entre todas, principalmente em épocas sazonais, como nas ceifas, precisavam de muitas centenas de trabalhadores, senão milhares, valendo aos lavradores a vinda dos ranchos dos "ratinhos beirões" que, geralmente recebiam um valor variável por empreitada, quando acabavam as empreitadas, fossem de ceifa ou de outro trabalho, voltavam às suas Aldeias na Beira.
Na Freguesia de Capelins, as herdades que admitiam mais trabalhadores, homens e mulheres, fossem jornaleiros ou outras categorias, eram o Monte Grande da Defesa de Ferreira, nesta, também recorriam aos ranchos de "ratinhos beirões" , o Monte da Travessa na Defesa de Bobadela, e o Roncanito, nestes dois casos, admitiam, mais mão de obra local.
Como foi referido, os lavradores, feitores ou escrivães, pagavam no fim da semana, em dinheiro, mas também podiam pagar uma parte dos salários em géneros, com cereais, farinha, azeite, porcos ou outros bens produzidos nas herdades.
Na centúria de 1600 o Reino de Portugal precisava de gente para trabalhar na agricultura, sobretudo no Alentejo, assim, foi para esta província que se dirigiram imensos "escravos" e vieram alguns para a Freguesia de Capelins, cuja exploração do seu trabalho ficava barata, uma vez que, depois dos comprarem já não pagavam nada pelo seu trabalho, fazendo baixar o valor das jornas, sendo uma situação muito má para os pobres escravos e para os pobres jornaleiros.
Os jornaleiros tinham uma vida muito árdua, trabalhavam muito, de dia e de noite, e não ganhavam quase nada, com a agravante de passarem temporadas sem trabalho, logo, sem rendimentos, alguns com muitos filhos para dar de comer, que chegavam a passar fome, porque os que gostavam de beber um copinho de vinho ou de aguardente ou que fumavam, quando recebiam o salário passavam pela taberna a pagar o que lá deviam e se havia algum descuido, quando chegavam a casa o dinheiro que entregavam às mulheres não chegava para pagar as dívidas na mercearia, assim, não passavam da cêpa torta.
Pelo seu contributo para o desenvolvimento da Freguesia de Capelins, pelo mal que passaram, prestamos esta singela homenagem aos jornaleiros, nossos ancestrais.
Bem Hajam

Fim

Texto: Correia Manuel
O meu avô Xico Alvanéu nascido no ano de 1902




terça-feira, 15 de julho de 2025

A lenda dos seareiros de Capelins

 A lenda dos seareiros de Capelins

Um seareiro era um pequeno agricultor que cultivava pequenas parcelas agrícolas, chamadas courelas, que podiam ser suas, ou de outros proprietários, aos quais, podiam pagar o foro, quando eram aforadas, era assim noutros tempos, e consistia no pagamento de uma renda anual, ou pagavam em géneros, entregando uma parte das colheitas aos donatários das terras, chamado terço, quarto ou quinto, conforme o acordo, e também dependia da qualidade das terras e dos cereais cultivados.
Ser seareiro, era o sonho de muitos moradores na Freguesia de Capelins, porque deixavam de trabalhar nas herdades por conta dos lavradores, trabalhavam por sua conta, mesmo que fosse de dia e noite, eram o patrão deles próprios e, embora fizessem uma agricultura de subsistência, havia quase sempre melhorias económicas no seu agregado familiar, podiam ter animais, como uma, ou duas cabras que lhe davam leite que vendiam ou faziam queijos, podiam ter mais galinhas, porque durante algum tempo davam-lhe de comer a "alimpadura" ou seja, os restos dos cereais que não podiam ser aproveitados para outros fins, ou os farelos que tiravam da farinha de trigo quando a peneiravam para fazer o pão caseiro, podiam engordar um porco, uma vez que, cultivavam além do trigo, outros cereais, como, aveia, cevada, centeio, favas, grão de bico, feijão frade, melão, melancia e outros, depois levavam alguns desses cereais aos Moinhos e mandavam fazer farinha, da qual faziam a "travia" para o porco, ou davam-lhe de comer esses cereais para o engordar e, assim podiam encher a salgadeira com carne e toucinho para todo o ano.
Alguns seareiros seguiam as pisadas de seus pais e avós, que os ajudavam a começar essa vida profissional, outros conseguiam juntar algum dinheiro, trabalhando como jornaleiros, para comprar o essencial, mas também eram ajudados por familiares, vizinhos e amigos, que lhes emprestavam algumas alfaias, quando não lhes estivessem a fazer falta.
Os seareiros, geralmente tinham algumas courelas suas, mas podiam não ter e cultivavam courelas alheias, da forma antes referida, mas tinham de ter uma, ou duas muares, os que tinham duas, chamava-se uma parelha, nesses casos, tinham algumas terras suas e já faziam parte de outro estatuto social, ficando entre o seareiro e o lavrador. Além da muar, ou muares, tinham de adquirir muitos apetrechos, desde cabrestos, cangas, burnis ou munilhas, arreatas, tirantes, guizos, tapetes, cordas, correntes de ferro, carros de tração animal, charruas ou arados, grades e outros acessórios, cuja aquisição custava muito dinheiro, ficando alguns seareiros endividados e com alguns bens penhorados logo no inicio da sua atividade.
Quando em 1262 a Família Riba de Vizela, concederam o Foral a Santa Maria de Terena, ficando seus donatários, foram delineadas várias Coutadas e Baldios no respetivo Concelho, entre os quais, o Baldio do Peral na região que mais tarde foi a Freguesia de Santo António de Capelins.
Todas as Coutadas e Baldios ficaram na posse da Câmara, que os dividia em courelas e distribuía, por sorteio, aos seareiros, os quais, pagavam por elas, uma pequena quantia à Câmara.
Neste conjunto de terras da Câmara, existiam outras courelas que foram aforadas, preços simbólicos, quase todas a militares, ordenanças, ou outros funcionários do Reino que, por sua vez, as aforavam aos seareiros, recebendo uma mais valia, essas courelas criadas em 1262, situavam-se entre a Aldeia de Faleiros e o canto da Igreja de Santo António, encabeçando com a herdade da Sina de um lado e com a herdade de Nabais até ao alto e depois com a Defesa de Ferreira pelo outro, até à primitiva herdade do Seixo, perto da guarita ou marco geodésico dos Barrinhos, junto à atual herdade doTerraço.
Assim, a partir de 1262, surgiram os seareiros no Concelho de Terena, logo, nas futuras terras de Capelins, onde estava situado o dito Baldio do Peral, constituído por quatro Baldios, Barreiros, Manantio, Vale de Martinez e Campo do Garcia, o qual, era administrado pelo povo, pagavam em conjunto uma quantia à Câmara de Terena e dividiam-no em courelas por grande número de seareiros, porém, o número de courelas aforadas, foi aumentando ao longo dos séculos, porque, com o objetivo de povoar as regiões transtaganas, alguns reis, incentivaram, ou obrigaram, os donatários dessas terras a fazer cada vez mais aforamentos a preços baixos, e foi assim que aumentaram o número de courelas, cujas terras, estavam antes integradas nas grandes herdades.
A partir dos finais da centúria de 1600, início de 1700, muitas das ditas courelas foram vendidas ou aforadas a particulares, aumentando cada vez mais o número de seareiros na Freguesia de Santo António de Capelins.
Quando foi criado o Concelho Senhorial ou Comunitário de Ferreira, talvez na centúria de 1400 ou de 1500, cuja Câmara era composta por Alcaide, Juiz, Vereadores, Escrivão, Procurador e Lavradores, foi delineada uma Coutada da Câmara, junto à atual Aldeia de Ferreira, onde, alguns seareiros cultivavam courelas e na qual, os moradores podiam, livremente pastar o gado de trabalho.
No ano de 1836, com o fim do Concelho de Terena e da respetiva Câmara, os seus Baldios foram vendidos e, nos finais da centúria de 1800, a herdade do Carrão foi dividida em courelas e, em duas pequenas propriedades, dando lugar a mais alguns seareiros nesta Freguesia.
A vida de seareiro era dura, nada fácil, porque, se chovia muito, era mau para as culturas, e nos anos sêcos, sem chuva, não colhiam quase nada e, algumas famílias de seareiros passavam por muitas dificuldades, podiam ficar endividados ou serem obrigados a vender as courelas para pagar as dívidas.
Pelo seu grande contributo para o desenvolvimento da Freguesia de Capelins, pelo que passaram, prestamos esta modesta homenagem aos seareiros, nossos ancestrais.

Bem Hajam

Fim

Texto: Correia Manuel



História de Capelins e de Terena 1462

  História de Capelins e de Terena 1462 Os gados vindos de Castela passavam no Porto das Azenhas D'El-Rei na Vila de Ferreira, atual Fre...